junho 2021 | Povos Tradicionais
Por Joenia Wapichana, deputada federal (Rede/RR), nascida na comunidade indígena Truaru da Cabeceira, Sonia Bone Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Ana Patté, integrante da Apib e do povo Xokleng
O Supremo Tribunal Federal pode definir no segundo semestre os critérios definitivos para demarcação de terras indígenas, além de exorcizar de vez uma assombração que há anos nos persegue: a tese do “marco temporal”. O espectro se materializou durante o governo Michel Temer, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu o Parecer 001/2017, prevendo sua adoção. Bandeira criada por ruralistas, ela prega que só teriam direito à posse de suas terras os povos que nelas estivessem vivendo até o dia da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Esse atropelo inconstitucional busca restringir o artigo 231 que trata do tema, para acabar com o reconhecimento dos “direitos originários” sobre nossos territórios. Ele está sendo usado para inviabilizar, retardar e reverter processos de demarcação, ajudando o presidente Bolsonaro a cumprir a promessa de campanha de não demarcar “nem um centímetro a mais” de terras indígenas. As consequências podem ser catastróficas. Há exemplos.
A Mata Atlântica foi tratada como “mato”. Hoje, reduzida a 12,4% do seu tamanho original, ela virou uma espécie de anúncio fúnebre do que pode vir a acontecer com a Amazônia. A história recente dos Xokleng está diretamente ligada a essa tragédia e serve de exemplo para a trajetória da maioria dos povos indígenas brasileiros, desde 1500. O STF nos aproximou ainda mais, ao tornar ação envolvendo a Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklanõ, onde vivem, caso de repercussão geral. Ou seja, o que for decidido pela corte ganhará peso de lei. Então, neste momento, somos todos Xokleng. Todos, mesmo, pois não são apenas os direitos dos povos originários que estão em jogo, mas também o interesse público e o bem comum – já que as terras indígenas pertencem à União, têm destinação específica e são consideradas áreas ambientalmente protegidas.
A população sabe disso: expressivamente 98% dos brasileiros se dizem preocupados com o meio ambiente; 95% acreditam que é possível preservar e desenvolver simultaneamente a Amazônia; 77%, que o país deveria reservar mais áreas para conservação; e 83% assinam embaixo de que “a preservação ambiental da floresta amazônica é muito importante para o crescimento do país, pois o desenvolvimento nacional depende do meio ambiente protegido”. Os números são de uma pesquisa feita pelo Instituto FSB, por encomenda da insuspeita Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgada em novembro último.
O “marco temporal” mascara o violento processo histórico de ocupação do Brasil. Nenhum povo indígena existente deixou sua terra ancestral por vontade própria. Os primeiros conflitos envolvendo os Xokleng e portugueses datam de 1777, a violência contra eles aumentou com a chegada, no sul do país, de novos europeus, imigrantes alemães que vieram incentivados pelo imperador Pedro II, e se estende até o momento atual. Os Xokleng foram sendo paulatinamente expulsos do território que ocupavam e viram sua população encolher tragicamente, dizimada por doenças que vinham de fora e pela força bruta. E contra isso eles apelaram à mais alta Corte do país.
Assim como aconteceu com a Amazônia, o desmatamento na Mata Atlântica, que estava sob relativo controle, voltou a crescer desenfreadamente desde a posse do atual governo. O estado de Santa Catarina, onde fica a Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, era totalmente coberto pelo bioma e, segundo o último relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o quarto que mais desmatou no período 2019-2020. No Brasil inteiro, sumiram mais 130.530 km² de floresta, 14% a mais que a de 2017-2018, que registrou a menor taxa de desmatamento desde 1989, quando a pesquisa começou a ser feita.
A terra onde vivem os Xokleng é reivindicada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma) do estado de Santa Catarina, tendo por base o Parecer 001/2017 da AGU que se baseia erroneamente na sentença, de 2009, do STF em ação sobre a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Habitada pelos povos Wapichana, Ingarikó, Macuxi, Patamona e Taurepang, a terra localizada no extremo norte do país era disputada por décadas por fazendeiros e pelo Estado de Roraima. O STF reconheceu a constitucionalidade do processo de demarcação.
No entanto, a sentença desenvolveu a tese do “marco temporal”. Ou seja, querem usar contra nós uma decisão que havia nos favorecido. Mas isto não pode prevalecer: em 2013, o próprio Supremo reconheceu que a decisão do julgamento da Raposa Serra do Sol seria aplicável apenas naquele caso. Posteriormente, houve várias decisões judiciais em que povos indígenas que não estavam na posse de suas terras na data de 5 de outubro de 1988, tiveram seus direitos reconhecidos. Acreditamos assim que há um caminho jurídico sólido para que a Justiça seja feita para todos os povos indígenas no país.
A mesma pesquisa Instituto FSB/CNI citada indica ainda que a maioria da população reconhece os povos indígenas como os maiores protetores da floresta. Essa confiança depositada em nós não é fruto de nenhuma crença, mas do status jurídico que gozam as terras indígenas, da ciência e do espaço que o movimento indígena e nossas lideranças vêm conquistando nos debates nacionais. Nossa arma é a informação. Um estudo da Universidade da Califórnia, publicada em agosto passado na “Proceedings of the National Academy of Sciences”, revista oficial da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, mostra que o desmatamento na Amazônia é 66% menor em Terras Indígenas, conforme também demonstrado por renomados institutos de pesquisa nacional.
A decisão a ser tomada pelo STF é uma oportunidade única de combater o processo violento de colonização, que continua em curso, atualizando a nossa civilização como plural e democrática e de reafirmar o nosso papel fundamental de legítimos protetores da nossa biodiversidade e da vida.
#EmNomeDeQue #MarcoTemporal #PovosIndígenas #Justiça #DemarcaçãoDeTerras #TerrasIndígenas
junho 2021 | Alternativas Energéticas
Que tal usar o sol para esfriar o planeta?
“Conta de luz puxa inflação”, avisam os jornais. A notícia que dói no bolso representa também uma enorme dor de cabeça. Não basta o brasileiro ter de escolher entre ter água para beber ou gerar eletricidade; não basta ainda ter gente querendo convencê-lo de que pôr florestas abaixo para construir hidrelétricas é investir em “energia limpa”; não basta dependermos de ultrapassadas termelétricas, movidas a carvão e gás natural, para manter o país aceso. Faltava a cereja do bolo, quer dizer, a bandeira vermelha cravada na tarifa. E o pior é perceber que está tudo interligado, com o perdão do trocadilho. A poluição gerada por termelétricas e hidrelétricas bagunça o clima, as secas se tornam mais frequentes e quando a gente vê, está levando um saco cheio de dinheiro para comprar um quilo de feijão. É uma cadeia insustentável e aparentemente, sem solução. Mas só aparentemente.
E o problema não é só nosso. O Departamento de Informações Energéticas dos EUA (EIA, na sigla em inglês) estima uma queda este ano de 11% na geração de eletricidade a partir de hidrelétricas. O país é o terceiro maior gerador hidrelétrico do mundo, ficando atrás de China e Brasil. A seca que ora castiga a Califórnia reduziu em 40% a energia produzida por esta fonte – a famosa Represa Hoover, a maior do país, está com seu nível mais baixo desde 1937, o ano seguinte à sua inauguração. Mas esta fonte responde por somente por 7,3% da energia produzida no país, ficando atrás da eólica (8,4%), carvão (19%), nuclear (20%) e gás natural (40%). Aqui, são 59,4%; fechou a torneira, já era. “A seca está prestes a se tornar a próxima pandemia e não há vacina para curá-la”, advertiu Mami Mizutori, representante especial do secretário-geral da ONU para redução de risco de desastres, no lançamento do último relatório da entidade sobre o tema, na semana passada.
No último dia 6, a Agência Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), órgão oficial do governo americano, nos deu uma boa razão para preocupação. Mesmo com a economia ainda sem trabalhar a todo vapor, o órgão registrou a maior concentração de CO₂ na atmosfera terrestre, desde que começaram as medições, em 1958. Ou seja, a transição energética é um caso de sobrevivência da espécie. O sol, que ainda vai brilhar por pelo menos mais 7 bilhões de anos, parece ser a aposta mais segura. Tanto que em março, o presidente americano Joe Biden estabeleceu a meta de diminuir o custo de sua instalação em até 60% até 2035. Em seu último relatório, publicado em maio, a Agência Internacional de Energia (AIE) concluiu que a energia solar, que hoje representa só 1% do total global, será a maior fonte de energia do mundo em 2050, com 20%.
Segundo um relatório lançado em janeiro último pela Wood Mackenzie, empresa de consultoria e pesquisa em energia, o custo da eletricidade gerada pelo sol caiu 90% nos últimos 20 anos e pode diminuir até mais 25% na próxima década. Assim, se tornaria a fonte de energia mais em conta nos Estados Unidos, Canadá, China e outros 14 países. Mesmo com a economia em compasso de espera, o setor aqui gerou mais de 86 mil empregos em 2020 e a geração cresceu 64% em comparação com 2019, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar); também no ano passado, o Brasil entrou na lista dos dez países que mais instalaram sistemas de geração fotovoltaica no mundo, segundo a AIE. A consultoria Bloomberg New Energy Finance calcula que aproximadamente 32% da energia nacional viria do sol, enquanto a hidrelétrica cairia para 30%.
Isso torna ainda mais inexplicável a emenda que a MP da Eletrobras ganhou no Senado: ela prevê a contratação obrigatória de 8 GW de termelétricas a gás natural. “Apenas com o custo de construção das usinas, os 8 GW de térmicas a gás natural previstas podem construir, dependendo dos parâmetros, entre 8 e 13 GW de usinas solares. Esta comparação não considera o elevado custo de combustíveis, que tem custo zero para as plantas solares. Se contabilizada esta despesa, considerando os 15 anos de operação previstos para essas térmicas, seria possível construir ainda mais usinas solares”, diz Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) e conselheiro de Uma Gota no Oceano.
Diversificar as fontes de energia é fundamental, para que a gente não caia no mesmo problema futuramente. Mas não dá para investir em obras caras que são elefantes brancos anunciados. “A complementação da geração hidrelétrica, que antes só contava com as termelétricas a combustíveis fósseis, hoje em dia pode ser feita com termelétricas a biomassa. As movidas a bagaço de cana têm a vantagem de terem o insumo para geração concentrado nos meses de seca, entre maio e novembro, e o mesmo vale para eólicas, com melhor perfil de vento nesse período”, explica Baitelo. “Já a geração fotovoltaica, embora não produza energia quando não há sol, tem a vantagem de gerar energia durante o ano todo e esta geração acompanha a curva de carga de setores de consumo como o comercial e o industrial. Ou seja, há produção de eletricidade das 6h às 18hs, aproveitando também o uso mais acentuado de ar condicionado no setor residencial”, completa ele.
Detalhes fornecidos pela Absolar indicam uma tendência: cerca de 80% das instalações foram de geração distribuída, aquelas placas azuis que são instaladas em telhados de casas e edifícios. Elas responderam por 2,5 GW gerados no ano passado, contra quase 617 MW das grandes usinas. O barateamento do equipamento está fazendo as pessoas buscarem autonomia energética – tanto por questões econômicas quanto práticas ou estratégicas. Por serem relativamente fáceis de instalar e baratas, as placas azuis têm levado eletricidade tanto aos povos da Amazônia como à população de Idlib, por exemplo. A província da Síria foi controlada por rebeldes que lutam Bashar Assad e, por isso, teve seu fornecimento cortado pelo governo – os mais vendidos são painéis canadenses usados que saem a US$ 38. Enquanto os indígenas usam o sol para conectar suas aldeias com o mundo, as famílias sírias ligam a geladeira ou a máquina de lavar de dia e assistem TV à noite. Um sistema descentralizado evitaria a construção de linhas de energia, como a que o governo ameaça passar pela Terra Indígena Waimiri-Atroari, para levar eletricidade a Roraima. Ou situações tragicômicas que vivemos hoje, como a entrada em manutenção de termelétricas justamente no início da temporada de seca – momento em que a produção de energia nas barragens desaba.
Outro erro que não podemos incorrer é o de negligenciar os impactos ambientais que podem ser causados pelo mau uso da energia solar, como fizemos com os combustíveis fósseis e as hidrelétricas. A Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês) calcula que a vida útil de 60 milhões de toneladas de painéis solares deve terminar até 2050. Só no Brasil, serão 300 mil toneladas. O que fazer com tanto lixo eletrônico? Simples: 95% dos componentes dos paineis são recicláveis. Com os equipamentos que vencem até 2050, será possível fabricar 2 bilhões de novos painéis, que produziriam 630 GW e injetariam US$ 14 bilhões na economia. Além disso, é uma tecnologia que vem avançando muito rapidamente e, num futuro não muito distante, teremos painéis biodegradáveis. Que tal usar o sol e a cabeça para esfriar o planeta?
#EnergiaSolar #MeioAmbiente #MelhoraEsseClima #MudançasClimaticas #Brasil #EmissoesdeCarbono
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junho 2021 | Direitos indígenas
Em primeiro plano, um indígena com cocar. Ao fundo, as cúpulas do Congresso Nacional e, entre elas, mais indígenas. A imagem registrada nos últimos dias resume o clima na Praça dos Três Poderes, independente do lado que se escolha do poderoso logradouro. Pode ser a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng no Supremo Tribunal Federal; pode ser um dos seis projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e que, de alguma forma, alteram direitos estabelecidos; pode ser qualquer fala do presidente sobre o tema. O fato é que, para onde olhem, os indígenas veem suas vidas ameaçadas e, por isso, decidiram ir a Brasília para se manifestar. Ainda que, para isso, tenham de ficar do lado de fora dos palácios.
A situação não deixa de ser irônica. Afinal, poucos segmentos estão tão por dentro do que acontece hoje no país como os povos originários. Os guardiões da floresta veem o desmatamento disparar ao lado de suas terras, enquanto preservam a mata nas áreas onde vivem. É uma postura que destoa daquela adotada por um governo, que é, digamos, menos preocupado com o meio ambiente, e tem dado as cartas no já citado Plano Piloto. Hoje, pipocam por lá ideias pouco razoáveis, como o tal “marco temporal” (ideia absurda e inconstitucional segundo a qual os indígenas só teriam direito à terra onde estavam em 1988), a liberação de agronegócio, garimpo e outras atividades econômicas em terras indígenas e até mesmo a saída do Brasil de um tratado que o obriga a consultar indígenas quando for tomar decisões que os afetem – algo exigido não só por acordos internacionais, mas também pela boa educação.
Se você duvida, recomendamos que dê uma olhada. Mas não se assuste com a numeralha ou com o juridiquês: o Recurso Extraordinário com repercussão geral, processo 1.017.365 está em análise no STF. Já os projetos de lei 490/2007, 2633/2020, 191/2020, 1443/2021 e 1737/2020 e o Projeto de Decreto Legislativo 177 estão em discussão na Câmara. Ufa! Tomou nota da placa? É o trator passando, ou a boiada.
Lembre-se que tudo isso está em debate em meio a uma pandemia que já vitimou 1.107 indígenas, de acordo com levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e na qual o governo fez muito pouco por eles. Em casos como o dos Yanomami, agentes de saúde desviaram vacinas destinadas a aldeias e as trocaram por ouro com garimpeiros. É quase como se o governo quisesse extinguir os povos tradicionais num genocídio. Mas podemos ficar tranquilos: o presidente já nos garantiu que não é o caso – embora até aliados seus no exterior, como o ex-primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu, já tenham se preocupado com a possibilidade.
Aliás, se aqui dentro o cenário é difícil, lá fora o quadro é bem diferente. Vistos pelo mundo como aliados na luta contra as mudanças climáticas, os indígenas brasileiros são reconhecidos pela forma como cuidam do planeta. Um exemplo é Sineia do Vale, foi convidada por Joe Biden a participar da Cúpula de Líderes sobre o Clima organizada em abril. Seja realista: você acha que Bolsonaro teria assunto num encontro desses? Realmente, faz muito mais sentido ter por lá uma das lideranças de nossos povos tradicionais discursando sobre meio ambiente.
Enquanto o Brasil for carta fora do baralho no jogo das grandes potências, vai ser assim e não tem jeito. Se quiser voltar a ter relevância no mundo, precisa fazer o dever de casa e voltar a ouvir indígenas, quilombolas e outros segmentos de sua população que desempenham um papel essencial na preservação da natureza. Além disso, tem de entender que regras precisam ser justas e não podem ser alteradas no meio da partida. É só seguirmos a mais importante delas, a Constituição Federal de 1988, não à toa conhecida como Constituição Cidadã. Este é um campeonato diferente, em que o país pode sair campeão apenas cumprindo à risca o que determina o regulamento.
#MeioAmbiente #Indígenas #DireitosIndígenas #G7
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junho 2021 | Deforestation, Desmatamento, Mata Atlântica, Uncategorized
A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.
Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.
No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.
As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.
Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.
#MataAtlântica #MeioAmbiente #LicenciamentoAmbiental #Preservação #Desmatamento
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maio 2021 | Mudanças Climáticas
É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.
É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.
Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.
No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?
A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.
É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.
Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.
#MeioAmbiente #Infraestrutura #MudançasClimáticas #BeloMonte #LicenciamentoAmbiental #Ferrogrão
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