“O belo monstro rouba as terras dos seus filhos/Devora as matas e seca os rios”. O samba-enredo da escola carioca Imperatriz Leopoldinense para o Carnaval deste ano se presta a trilha sonora de filme-catástrofe. Filme, não. Série. Porque a segunda parte pode estrear a qualquer momento. O belo monstro a que a letra se refere é a hidrelétrica de Belo Monte. Mas outro monstrengo feioso, que só traz beleza em seu nome, ameaça o Rio Xingu: Belo Sun, empresa canadense de mineração que pretende extrair 108 toneladas de ouro da região da Volta Grande em 17 anos. E “Belo monstro II” pode se revelar no final uma refilmagem de outra monstruosidade: a tragédia de Mariana.
No início deste mês, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará autorizou a instalação do empreendimento. A Funai anunciou que recorreria da decisão e o Conselho Nacional de Direitos Humanos pediu a suspensão do projeto. Mas essas iniciativas certamente não irão fazer frente à sua voracidade.
Se quisermos impedir mais uma tragédia anunciada, precisamos estar juntos e nos armar – e informação é uma das melhores armas contra monstros como Belo Monte, Mariana e Belo Sun.
Imagina que você mora na sucursal do Paraíso e resolvem transformá-la numa filial do Inferno. Foi o que aconteceu com Gilliard Juruna, cacique da aldeia Muratu, na Volta Grande do Xingu. Desde que construíram a Usina de Belo Monte, bateu 18h todo mundo se tranca em casa para fugir dos mosquitos, que se multiplicaram de forma assustadora. Acabaram-se os cochilos na rede e as pescarias no fim da tarde e os banhos de rio no pôr-do-sol.
Na mesma proporção, os peixes do rio sumiram. O pacu, iguaria favorita dos Juruna, comia frutas quem caíam das árvores das margens do rio. Com a mudança artificial na paisagem, todo ecossistema local foi prejudicado. E a Volta Grande ainda pode ser aberta à mineração, com a Belo Sun. Os estragos que estamos fazendo a Amazônia já começam a se refletir no resto do país. Reservatórios d’água secam no Sudeste e no Centro-Oeste. O problema não é só do Cacique Gilliard.
Sinal vermelho para Belo Sun: a Justiça anulou ontem a licença de instalação da mineradora canadense. Se quiserem realmente extrair ouro da Volta Grande do Xingu, vão ter que fazer estudos de impacto ambiental sérios e realizar um processo de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) junto aos povos indígenas impactados, como manda o figurino.
Cerca de 80% da vazão natural do rio foi desviada na região, o que aumenta o risco de acidentes ou vazamentos da barragem de rejeitos minerais. O que poderia causar uma tragédia de Mariana de dimensões amazônicas.