No Planalto, de olho no Planeta

No Planalto, de olho no Planeta

Os Xakriabá são originários do Cerrado mineiro; os Guajajara brotaram da Amazônia maranhense. São lugares distantes um do outro, Célia Xakriabá e Sônia Guajajara são brasileiras de povos diferentes, mas, lembram, pertencem à mesma raça humana. E desta forma, entendem que o Brasil faz parte de algo muito maior, que nos acolhe e requer nossos cuidados: a Mãe Terra. Por isso, as duas deputadas federais indígenas recém-eleitas não esquecem que seus mandatos serão cumpridos no Planalto, mas de olho no Planeta – o que implica, de cara, a maior missão da Bancada do Cocar: ajudar a botar a “boiada” de Bolsonaro de volta para o curral.

Na ditadura, todo cidadão brasileiro sentiu na pele o que é ser tutelado pelo Estado. Para os povos originários, doeu bem mais: enquanto a Comissão Nacional da Verdade afirma que 434 civis foram assassinados pelos militares, entre os indígenas foram pelo menos 8.350 entre 1946 e 1988, sendo que antes de 1964 essas mortes foram causadas mais por omissão do Estado e, a partir daquele ano, por ação direta. Antes do golpe, a Amazônia permanecia praticamente intocada; depois, a devastação cresceu em níveis aterradores.

Embora os indígenas se mantivessem a uma distância segura da política institucional e seus vícios — à exceção da elogiada atuação do Cacique Xavante Mario Juruna na Câmara Federal, entre 1981 e 1985 — a redemocratização fertilizou o solo do movimento indígena. Ainda em 1987, a Terra Indígena Xakriabá, que fica no município de São João das Missões (MG), foi homologada. E com um preço alto pago por esses povos: os conflitos com invasores se arrastavam há anos, mas no dia 12 fevereiro de 1987, 15 grileiros invadiram a aldeia Sapé e assassinaram as lideranças Rosalino Gomes de Oliveira, Manuel Fiúza da Silva e José Pereira Santana enquanto dormiam.

Com o início dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a geração que precedeu Sônia e Célia lutou para garantir seus direitos definitivamente. Entre os principais nomes dessa mobilização estava o Cacique Aritana Yawalapiti, levado pela Covid-19 em 5 de agosto de 2020, devido à brutalidade de mais um governo autoritário — não só em relação aos indígenas, mas a toda população brasileira, como ocorrera no século passado. A Constituição de 1988 não garantiu apenas os direitos à terra indígena e à preservação de seus costumes, mas lhes concedeu cidadania plena.

O prazo estabelecido para que todas as terras indígenas fossem homologadas era de cinco anos; em seu curto mandato, o presidente Collor homologou 121 delas. Foi um início animador, mas logo ficou claro que nem mesmo o que está escrito em nossa lei máxima vale. As demarcações continuaram em ritmo lento e as invasões se intensificaram. Os indígenas decidiram então se organizar politicamente. A despeito de serem 305 povos e falarem 274 línguas diferentes, há uma série de demandas em comum.

Em 2004, montaram em Brasília pela primeira vez o Acampamento Terra Livre (ATL) e no mesmo ano foi criada a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que reúne associações de todas as regiões brasileiras. Ainda assim, em 2016, mais da metade da Terra Indígena Arariboia, lar da maioria dos Guajajara, foi consumida por um incêndio criminoso. E este foi só um dos muitos crimes.

Com a chegada ao poder de um presidente abertamente hostil às nossas causas, e apenas uma representante no Congresso — Joênia Wapichana, a primeira deputada federal indígena da História, com atuação tão marcante, dizem, “que valia por uma aldeia inteira” — era chegada a hora inevitável de buscarem a política institucional definitivamente. Não é de hoje que o mundo inteiro reconhece a importância dos povos da floresta para a preservação da natureza, o combate às mudanças climáticas e, consequentemente, a própria sobrevivência da Humanidade. Por isso, são vozes cada vez mais ativas nas Conferências do Clima, como a COP27, da qual Célia e Sônia acabaram de participar.

Bolsonaro é reconhecido pela comunidade internacional como um dos maiores inimigos do meio ambiente. Minas Gerais e Maranhão, estados natais das novas deputadas, ajudaram a derrotá-lo nas urnas. E elas pretendem colaborar para reverter no Congresso as barbaridades que este governo perpetrou contra a Amazônia e outros importantes biomas brasileiros, fundamentais para o futuro da espécie humana. Porque, como elas mesmas afirmam: “Somos guerreiras e sábias. Temos disposição para a luta e conhecimento ancestral de sobra para isso”.

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