Nós demos à luz esta terra
Puyr Tembé, presidente da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e secretária dos Povos Indígenas do Pará
A mãe do Brasil é indígena. Foi uma de nós quem deu à luz esta terra. Nossa ligação com ela é verdadeiramente ancestral. O mundo inteiro se comoveu com o martírio dos Yanomami e correu para ajudá-los. Sou mãe: consigo imaginar, como se fosse minha, a dor de quem perde o filho ou que não pode amamentá-lo; ou das mulheres que sofreram violência sexual e abortaram por espancamento. Infelizmente, os Yanomami não são os únicos que correm o risco de serem dizimados por causa da cobiça alheia: eu, por exemplo, vivo num estado tão ou mais ameaçado pelo garimpo ilegal que Roraima. Por isso dediquei minha vida à luta pela defesa de nossas terras.
Nasci há 44 anos na aldeia São Pedro, na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no sudoeste do Pará. Sou mãe de três filhas, avó e milito desde muito jovem; só que nos últimos quatro anos, nós, mulheres e lideranças indígenas, tivemos que decidir entre lutar para viver, ou esperar pela morte. A forma como fomos (des)tratadas durante a pandemia acendeu definitivamente o alerta. Hoje, presido a Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) e fui convidada para assumir a recém-criada Secretaria dos Povos Indígenas do Pará. Além disso, faço parte da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira e sou cofundadora da Associação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Mais da metade das áreas de garimpo do país ficam no Pará, muitas delas em unidades de conservação e em nossos territórios. Estima-se que 60 mil garimpeiros atuam só na Bacia do Rio Tapajós. Na mesma região, vivem 13 mil Munduruku; ou seja, eles estão em minoria em suas próprias terras. Os efeitos já podem ser sentidos: a Polícia Federal calcula que foram despejados cerca de 7 milhões de toneladas de rejeitos tóxicos na bacia hidrográfica, enquanto um estudo da Fundação Oswaldo Cruz revelou que mais da metade da população de três aldeias (Sawré Muybu, Sawré Aboy e Poxo Muybu) tem mercúrio no organismo acima do recomendado.
É por isso que temos muitas frentes de batalha, mas a maior delas é lutar pela vida. E quando dizemos isso, falamos de demarcação e desintrusão de terras indígenas. Protegendo nossas terras, preservamos sua biodiversidade e nossas próprias vidas, e ajudamos a proteger a própria Humanidade. Os povos indígenas agora falam de igual para igual com a sociedade como um todo. Hoje estamos no governo, devemos executar em vez de solicitar. Mas eu continuo sendo Tembé.
Estamos lutando pelas que já não estão mais aqui, levadas pela pandemia ou pelo mercúrio, por nossa ancestralidade; e pelas nossas que ainda estão por vir, o nosso futuro. Só que nós, mulheres do movimento indígena, não vamos conseguir fazer isso sozinhas. Ainda precisamos do Estado, dos parceiros, dos aliados, das entidades que sempre nos deram apoio, colaboradores e simpatizantes. Toda a população brasileira deve assumir conosco a maternidade/paternidade deste país.