Um norte para o Brasil

Um norte para o Brasil

A desinformação está empurrando a maior floresta tropical do mundo para o seu ponto de inflexão. Se isso acontecer, a Amazônia deixará de prestar os serviços ambientais vitais que ajudam o planeta a manter o clima equilibrado. Pior: ela pode se transformar em uma fábrica de proporções continentais de gases de efeito estufa e agravar ainda mais a situação. E daí é ladeira abaixo em velocidade galopante até se concretizar a previsão de que a floresta vai virar deserto. Ou, para sermos mais exatos, uma enorme savana.

Do ponto de vista de pesquisadores de uma outra ciência, a da comunicação, boa parte da Amazônia já é um deserto – de informações. É assim que o Atlas da Notícia, um censo da imprensa brasileira, classifica os municípios que não têm nenhum veículo de imprensa atuando. Hoje, em todo o país, são cinco em cada dez. A maior parte deles está justamente na Região Norte, onde 63% do território não conta com nenhum tipo de cobertura jornalística; no Amazonas, 35 dos 62 municípios são desertos de notícia.

Cobrir a região demanda muito tempo e dinheiro para vencer distâncias continentais. O levantamento do Atlas aponta a sustentabilidade financeira como um dos maiores obstáculos para resolver o problema, que se concentra, sobretudo, nas pequenas cidades. Como a audiência é insuficiente para custear o funcionamento de jornais, a imprensa fica à mercê de interesses econômicos e políticos.

Quem não vive em território amazônico tem dificuldades de mensurar a dimensão deste desafio. Conta a lenda que, depois de dez dias de viagem, cinco deles presos nos atoleiros das estradas que cortam a floresta, um jornalista recebeu um pedido inusitado do seu editor: “Você poderia voltar lá para regravar as passagens?”. Não passava pela cabeça do chefe que seu repórter precisaria vencer novamente 1.064 quilômetros de estrada de chão e lama, em período de chuva.

Além das longas distâncias, é preciso encarar o vazio do Estado e a presença de criminosos. Cada vez mais organizado, o crime toma conta de ruas e até florestas públicas, controlando quem entra e quem sai e obrigando os profissionais da imprensa a pedir permissão para trabalhar. Há casos em que é preciso mostrar o conteúdo das gravações para obter autorização de saída de uma área dominada. E é nas pequenas cidades do interior que os crimes se concentram, sejam ambientais ou as mortes violentas. Enquanto em 2021 a violência diminuiu no resto do Brasil, na região Norte ela cresceu; quase metade das cidades mais violentas do país estão na Amazônia.

Hoje os riscos à integridade física são iminentes, mas a tecnologia é uma grande aliada. Mesmo assim, há muitos relatos de jornalistas que tiveram drones abatidos a tiros em áreas de preservação desmatadas ilegalmente ou dominadas pelo garimpo ilegal. O assassinato do jornalista britânico Dom Philips enquanto trabalhava no Vale do Javari e as investigações em curso deixam claro o tamanho do risco.

Os desertos de notícia da Amazônia são ricos em sociobiodiversidade. O jornalismo profissional na região pode ser incipiente, mas a comunicação não é. E isso vem da tradição dos povos originários com a transmissão de informação – são povos de cultura oral, que se comunicam uns com os outros e com o meio ambiente onde vivem. Eles pedem permissão para se relacionar com a natureza, numa condição de respeito mútuo, de plena harmonia. E têm sido ouvidos por ela há séculos.

A ausência de vozes dos povos tradicionais na mídia favorece os capitães da devastação do mato pela disseminação fake news sobre a Amazônia. A informação consistente e independente é fundamental para a conscientização da sociedade sobre a importância da floresta e o papel dos amazônidas na sua preservação.

A comunicação da floresta é patrimônio imaterial da Amazônia. E pode apontar o norte para o futuro justo e sustentável da maior sociobiodiversidade do planeta.

 

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