julho 2025 | Metano
À medida que nos aproximamos da COP30, marcada para acontecer em Belém, cresce a urgência de encarar a crise climática com a seriedade que ela exige. Neste artigo, publicado na Folha de S. Paulo, os especialistas Carlos Nobre e Durwood Zaelke alertam para o risco iminente de colapso em dois ecossistemas cruciais para o equilíbrio climático da Terra: a floresta amazônica e a tundra do Ártico. Atravessando hemisférios e conectados por um mesmo problema, a aceleração do aquecimento global e a emissão desenfreada de gases de efeito estufa, especialmente o metano, esses biomas caminham para um ponto de não retorno climático, com impactos devastadores e irreversíveis. A leitura é um chamado à ação urgente e coordenada, especialmente por parte de países como o Brasil, que têm um papel decisivo na construção de soluções.
Extremos do planeta caminham para o perigoso ponto de não retorno
Tundra do Ártico e floresta amazônica demandam ações imediatas para mitigar o metano e outros superpoluentes climáticos de curta duração
Por Carlos Nobre e Durwood Zaelke
O atual cenário de guerra e o clima de tensão entre países importantes na geopolítica mundial têm afastado a crise climática global do noticiário diário. A proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), no entanto, traz o tema para a ordem do dia, diante da alarmante situação de dois importantes extremos ambientais da Terra: a floresta amazônica e a tundra do Ártico — um bioma localizado no extremo norte do planeta, coberto quase que exclusivamente por gelo. Ambos enfrentam riscos reais de ultrapassar o chamado ponto de não retorno climático, situação em que os danos ambientais se tornam irreversíveis.
Ainda que separados por milhares de quilômetros, esses dois biomas compartilham uma ligação fundamental: estão profundamente ameaçados pelo aumento acelerado da temperatura global e pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o metano. Embora similar ao dióxido de carbono (CO2), ele permanece na atmosfera por cerca de uma década, em comparação a centenas de milhares de anos do CO2, mas absorve 86 vezes mais energia solar, contribuindo para o efeito estufa e impactando severamente o meio ambiente. Os prejuízos causados rompem limites geográficos e socioambientais, afetando o agronegócio e a economia de forma geral.
Como sabemos, a amazônia é a maior floresta tropical do mundo e tem um papel fundamental na regulação do clima terrestre. Além de manter o ciclo das chuvas e abrigar uma biodiversidade única, ela funciona como “sumidouro de carbono”. É um processo natural que absorve e armazena CO2 da atmosfera. O desmatamento ilegal, juntamente com os incêndios florestais, está reduzindo a capacidade da amazônia de absorver CO2 e nos aproxima de um colapso ecológico que pode ser irreversível.
Do outro lado do hemisfério, no Norte, o Ártico está aquecendo quatro vezes mais rápido do que a média global e, com isso, o gelo do Ártico e a tundra terrestre estão derretendo a um ritmo preocupante. Essa camada marinha de água congelada é altamente reflexiva, e a substituição desse grande escudo branco por um oceano mais escuro acarreta mais aquecimento por conta da absorção do calor, em um efeito de retroalimentação autoamplificadora. A neve e o gelo terrestres no Ártico também são reflexivos e, quando derretem e são substituídos por terra mais escura, desencadeiam outro ciclo de retroalimentação autoamplificadora. Além disso, neste bioma, conhecido como “permafrost”, o aquecimento do solo congelado há milênios corre o risco de liberar vastas reservas de metano e CO2.
A conexão entre esses dois biomas revela que a crise climática não é localizada, é global. A ciência nos mostra o que está acontecendo e o futuro do planeta depende das escolhas que fazemos hoje. Se chegarmos a esse ponto de não retorno —e estamos caminhando céleres para isso—, a amazônia e o Ártico não conseguirão mais se regenerar. Nesse grave cenário que se avizinha, mesmo se reduzíssemos drasticamente as emissões, o sistema climático seguiria aquecendo por conta própria. Se esse limite for ultrapassado, cerca de 70% da amazônia pode se degradar nas próximas décadas, tornando a floresta inviável.
Evitar esse ponto crítico requer ação imediata para mitigar o metano e outros poluentes climáticos de curta duração, desacelerando o aquecimento mais próximo. Nesse sentido, estudos do Instituto de Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD) indicam que mitigar o metano e outros superpoluentes climáticos pode evitar quatro vezes mais aquecimento em 2050 do que cortar apenas o CO2.
No ano em que o Brasil sedia a COP30, em Belém, há um apelo crescente para que o país lidere uma nova abordagem para mitigar os superpoluentes climáticos de curto prazo. Isso inclui a exigência para que as empresas de óleo e gás limitem imediatamente suas emissões de metano e desencorajem fortemente a exploração de novos combustíveis fósseis, reconhecendo que as reservas existentes hoje são muito maiores do que podem ser queimadas mantendo o planeta relativamente seguro.
A impossibilidade de atingir a meta firmada em 2015 no Acordo de Paris —de frear o aumento da temperatura média global em até 1,5°C— é um estímulo para que sigamos em busca de uma transição justa e inclusiva para as próximas gerações. Cada dia é importante para não recebermos uma conta impagável e sem retorno, em um futuro que está mais próximo do que se imagina.
Carlos Nobre é Climatologista, membro da Academia Brasileira de Ciências e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC); Durwood Zaelke é Advogado ambiental, fundador do Institute for Governance & Sustainable Development (IGSD).
julho 2025 | Metano
O Brasil está prestes a ser o anfitrião da COP30 e tem uma oportunidade única de liderar a transição energética justa. Mas como fazer isso em um país ainda tão dependente do petróleo? Neste artigo, Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, mostra que há um caminho possível, urgente e estratégico: reduzir as emissões de metano no setor de óleo e gás.
Como liderar a transição energética com menos metano?
Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás
Por Henrique Bezerra
Às vésperas de presidir a COP30, o Brasil tem a chance de liderar a frente de transição energética justa, mas vive o impasse: como reduzir a dependência do petróleo? A ciência aponta soluções concretas, que passam por reduzir as emissões de metano na atmosfera. Uma estratégia de curto e médio prazo, que requer celeridade e se fortalece diante do alerta sobre os efeitos da crise climática no derretimento das calotas polares.
Segundo estudo publicado na Communications Earth & Environment, nem a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, limitar o aquecimento a 1,5°C, seria suficiente para evitar o colapso das geleiras. O limite de segurança, segundo os pesquisadores, seria de 1°C ou menos.
Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis
Em entrevista ao programa Cidades e Soluções, do canal GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma afirmação corajosa: “temos que, o quanto antes, prescindir do petróleo”. A fala sintetiza um dilema da transição energética no Brasil — como reduzir a dependência de combustíveis fósseis enquanto ainda convivemos com sua presença no sistema produtivo.
Como bem apontou o ministro, ainda não existe tecnologia capaz de usar petróleo sem emissões. Mas há soluções para reduzir significativamente os impactos da produção atual: cortar as emissões de metano no setor de petróleo e gás. O metano é um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO₂ no curto prazo e responsável por cerca de 45% do aquecimento global recente. Ainda assim, o Brasil não possui regulação efetiva para mitigar essas emissões no setor energético.
A boa notícia é que essa lacuna representa uma oportunidade. Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás. Mais que um avanço ambiental, essa medida representaria um ganho econômico e geopolítico, permitindo ao Brasil exigir o mesmo nível de ambição de outros países produtores — inclusive no âmbito do Brics e da Opep+.
O Methane Tracker da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) evidencia a dimensão desse desperdício: em 2023, o potencial de oferta adicional de gás natural — por meio da mitigação de emissões de metano e do fim da queima rotineira (flaring) — superou as exportações totais do maior exportador mundial, os EUA. Foram 196 bilhões de metros cúbicos desperdiçados, frente a 177 bilhões exportados pelos americanos.
Estamos literalmente deixando escapar uma fonte de energia valiosa. Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis.
Essa estratégia combina responsabilidade climática com eficiência econômica e nos aproxima de uma transição energética justa — que reconhece a urgência da crise climática sem negligenciar os desafios sociais e econômicos da descarbonização.
Vale lembrar que o Brasil lidera também em outro aspecto: segundo pesquisa do Global Methane Hub em 17 países, a população brasileira foi a que mais demonstrou apoio à mitigação de metano e maior percepção dos impactos de eventos climáticos extremos. Isso mostra que a sociedade está pronta. Cabe ao governo transformar essa expectativa em ação e fazer da mitigação de metano uma prioridade nacional.
A COP30 é nossa chance histórica de liderar pelo exemplo. Que não a desperdicemos.
Henrique Bezerra é líder regional para a América Latina no Global Methane Hub.
maio 2025 | Metano
Diante da urgência climática, especialistas destacam que uma das formas mais eficazes de conter o aquecimento global nas próximas décadas continua subestimada: o combate aos poluentes climáticos de vida curta, como o metano e o carbono negro (fuligem). Em artigo publicado no Valor Econômico, no dia 5 de maio, Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, aponta o Brasil como peça-chave para liderar uma nova frente de ação climática global, com foco em cortes rápidos de emissões e impactos concretos ainda nesta década. Confira:
Brasil pode liderar a frente esquecida do clima
País pode ajudar a lançar coalizão para ação de curto prazo, centrada no metano, no carbono negro (fuligem) e em outros poluentes climáticos de vida curta
Por Henrique Bezerra
Enquanto o mundo corre para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C e salvar o Acordo de Paris, uma das alavancas mais poderosas para aliviar o clima no curto prazo continua subutilizada: a redução das emissões do metano e de outros poluentes que não o CO₂. Em um momento de complexidade geopolítica e de mudanças nas alianças climáticas, o Brasil tem uma oportunidade única de liderar uma nova diplomacia climática — focada em ações rápidas, justas e de alto impacto.
Com a próxima cúpula do Brics no horizonte e os crescentes apelos por um aumento da ambição climática para manter a meta do Acordo de Paris viva, o Brasil está em uma encruzilhada entre a liderança regional e credibilidade global e um temido fracasso das negociações. O país pode ajudar a lançar uma coalizão de alta ambição para a ação climática de curto prazo, centrada no metano, no carbono negro (fuligem) e em outros poluentes climáticos de vida curta (SLCPs) que estão acelerando o aquecimento global.
Diferente do CO₂, que se acumula por séculos, o metano e a fuligem têm impactos climáticos imediatos. Cortá-los agora pode desacelerar o aquecimento em até 0,5°C antes de 2050. O Brasil conhece bem essa realidade. As queimadas na Amazônia geram fuligem que escurece geleiras nos Andes. O metano do gado, de lixões e de arrozais contribui para o calor extremo, a poluição por ozônio e a perda de produtividade agrícola. Esses não são problemas distantes; estão aqui, agora, e afetam desproporcionalmente o Sul Global.
Ainda assim, a ação sobre os SLCPs continua isolada, sendo muitas vezes vista como um complemento periférico às estratégias de mitigação de dióxido de carbono. Isso precisa mudar. O mundo precisa de uma nova abordagem de mitigação baseada em temperatura — que não meça apenas toneladas evitadas, mas graus prevenidos. É aqui que o Brasil pode liderar.
Imagine uma cúpula liderada pelo Brasil sobre poluentes não CO₂ — reunindo China, União Europeia, Índia, União Africana e países-chave da América Latina. Não como um fórum centrado nos EUA, mas como uma parceria Sul-Norte baseada em equidade e urgência. Imagine os países do Brics endossando uma meta comum de reduzir o metano em 30% e eliminar as principais fontes de fuligem em uma década. Esses passos não apenas resfriariam o planeta, mas também salvariam milhões de vidas por meio da melhora na qualidade do ar.
A liderança do Brasil poderia acelerar:
* Cortes rápidos de metano na agricultura, resíduos e setor de combustíveis fósseis;
* Programas em larga escala de fogões limpos na África, Ásia e América Latina;
* Inovação em tecnologias de refrigeração e substituição de HFCs;
* Cooperação regional para combater queimadas.
O Global Methane Hub e a Clean Air Fund estão prontos para apoiar essa visão — com financiamento, ciência e parcerias que transformam ambição em ação.
À medida que o mundo busca novo impulso climático, o Brasil tem a credibilidade, a capacidade e o imperativo climático para agir. Ao assumir a liderança na mitigação do metano e poluição do ar, o país pode redefinir o que significa ser líder climático: não apenas em gigatoneladas de CO₂, mas em vidas salvas, florestas e geleiras preservadas, colheitas protegidas e graus de aquecimento evitados.
O próximo capítulo da ação climática precisa ser mais rápido, mais justo e mais focado. O Brasil pode escrevê-lo.
*Henrique Bezerra é líder regional para a América Latina no Global Methane Hub.
Link: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/brasil-pode-liderar-a-frente-esquecida-do-clima.ghtml
maio 2025 | Metano
Durante a Semana da Compostagem, o ator e ativista Mateus Solano compartilhou com a gente que faz compostagem em casa e reforçou a importância dessa prática no dia a dia.
Esse recado é urgente: no Brasil, mais de 50% do lixo gerado é orgânico — cascas de frutas, restos de comida, borra de café, entre outros materiais que poderiam estar voltando pra terra em forma de adubo, mas acabam nos aterros.
E aí mora o problema: quando se decompõem nesses locais sem oxigênio, os resíduos orgânicos liberam metano (CH₄), um gás de efeito estufa até 28 vezes mais potente que o CO₂ para o aquecimento global.
Ou seja, compostar é um ato de cuidado com o planeta e uma das formas mais baratas e eficazes de combater a crise climática.
Você pode começar em casa, com uma composteira doméstica ou comunitária. Também vale levar seus resíduos até pontos de coleta que já fazem esse trabalho.
Mateus já começou. E você? Vamos juntos espalhar essa ideia e transformar resíduos em vida!
https://www.instagram.com/p/DJZ0Ehfx4Fk/