Gota na COP30

Gota na COP30

A Uma Gota no Oceano é uma organização de comunicação estratégica, membro observador da ONU para clima e biodiversidade, dedicada a garantir que as vozes das organizações socioambientais estejam presentes nos espaços que definem o futuro do planeta.

Desde 2019, nossas delegações nas COPs contam com representantes indígenas e quilombolas, reafirmando nosso compromisso com a justiça climática e a diversidade de vozes.

Há mais de uma década, atuamos de forma colaborativa com lideranças amazônicas, acadêmicos, indígenas e quilombolas. Nosso objetivo é integrar suas narrativas aos debates públicos por meio de estratégias que irrigam informação consistente e independente — em escala regional, nacional e global.

Na COP30, a Gota está presente em três frentes fundamentais:

1. CONAQ – Criadores de Refúgios, Guardiões do Futuro

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) é a entidade que reúne mais de 6 mil comunidades quilombolas do Brasil. Presente em 24 estados, ela representa mais de 1,3 milhão de brasileiros — segundo o IBGE.

Na COP30, a CONAQ é a organização anfitriã das populações afrodescendentes, sob o guarda-chuva da Coalizão Internacional de Territórios Afrodescendentes (CITAFRO), que reúne organizações de 18 países da América Latina e Caribe. Juntas, essas comunidades protegem cerca de 205 milhões de hectares de áreas verdes com uma imensa biodiversidade fundamental para o equilíbrio climático global.

A Gota apoia a CONAQ há mais de uma década, fortalecendo sua comunicação estratégica e presença internacional. Na COP30, reafirmamos essa parceria com a campanha “Criadores de refúgios, guardiões do futuro”, que valoriza o papel dos quilombolas como protagonistas na defesa da vida e da justiça climática.

2. Global Methane Hub – Alívio Imediato para o Clima

Em parceria com o Global Methane Hub (GMH), a Gota impulsiona a campanha “Mutirão Freio de Emergência Climática”, que convida governos, empresas e sociedade civil a transformar compromissos em ações concretas.

O foco está na redução dos chamados superpoluentes de curta duração, como o metano (CH₄), responsável por cerca de um terço do aquecimento global desde a Revolução Industrial.

Mitigar o metano é uma medida de alívio imediato para o clima — com impacto rápido, escalável e essencial para conter o avanço da crise climática.

O GMH atua com parceiros como o Institute for Governance & Sustainable Development (IGSD), o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), o Instituto Pólis e o Observatório do Clima.

3. Ministério dos Povos Indígenas – A Amazônia pela Amazônia

A Gota também apoia o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), liderado pela ministra Sonia Guajajara. Desde 2014 nossa trajetória caminha ao lado da ministra, com presença conjunta em todas as COPs, desde Paris.

Em apenas dois anos e meio, o MPI consolidou avanços estruturantes para os direitos indígenas no Brasil, colocando esses povos no centro da formulação de políticas públicas.

Na COP30, o ministério recebe a maior delegação indígena da história das Conferências do Clima da ONU: são esperados cerca de 3 mil representantes de povos de várias regiões brasileiras e de outros países.

Sonia Guajajara é um exemplo de liderança que representa e envolve os semeadores da Amazônia na defesa do futuro da humanidade. É a Amazônia pela Amazônia, com os povos indígenas no centro das soluções climáticas.

Gota na COP30

Boletim Uma Gota no Oceano na COP30 – Edição 2

Boletim Uma Gota no Oceano na COP30 – Edição 2

A delegação da Gota na COP30 terá uma agenda intensa em Belém, onde acompanharemos os parceiros da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) – que integra a Coalizão Internacional de Territórios Afrodescendentes (Citafro); do Global Methane Hub (GMH), com a campanha ‘Mutirão Freio de Emergência Climática’, voltada à redução das emissões de metano; e do Ministério dos Povos Indígenas, como coautor do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), proposta do Brasil para desbloquear o principal gargalo do enfrentamento à crise do clima: o financiamento climático.

Esses são alguns dos assuntos que serão discutidos em uma maratona de seminários, paineis, mesas, debates e encontros que devem acontecer ao longo da Conferência na Zona Azul, na Zona Verde e em outros espaços em Belém, como o Museu das Amazônias, localizado no Complexo Porto Futuro II.

Conheça alguns destaques da programação de nossos parceiros na COP30 para salvar na agenda:

10 de novembro

Iniciativa Low-m: Capacitando as cidades a implementar e ampliar soluções para o metano residual

Local: Pavilhão de Soluções para Superpoluentes

Horário: 15h às 16h

11 de novembro

Painel ‘O Brasil cumpriu sua promessa para 2025?’

Local: Zona Azul, Sala Oficial de eventos paralelos nº 7

Hora: 15h às 16h30

12 de novembro

Acelerando a implementação e financiamento da mitigação de metano no setor de resíduos: caminhos para a transição justa e circular

Local: Zona Azul

Hora: 16h15 às 17h15 (horário de Brasília)

Os impactos das mudanças climáticas para os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC) e seus territórios, e as políticas públicas brasileiras de proteção e garantia dos direitos destes povos

Local: Zona Verde, auditório Jandaíra

Hora: 11h15 às 12h15 (horário de Brasília)

13 de novembro

Parceria de Baixo Metano em Ação: Ampliando Soluções Equitativas de Resíduos de Metano Lideradas pela Comunidade

Local: Zona Azul

Hora: 11h30 às 13h (horário de Brasília)

14 de novembro

Dos aterros sanitários aos meios de subsistência: uma transição justa para a redução do metano

Local: Zona Azul

Hora: 11h30 às 13h (horário de Brasília)

17 de novembro

A resposta somos nós: contribuições dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais extrativistas à ação climática global

Local: Zona Azul, auditório Sumaúma

Hora: 11h15 às 12h15 (horário de Brasília)

O elo perdido: alinhando políticas e finanças com a ciência emergente

Local: Zona Azul, sala de eventos paralelos 2

Hora: 11h30 às 13h (horário de Brasília)

Seminário Freio de Emergência Climática – lançamento do ‘Mutirão Freio de Emergência Climática’,

Local: Museu das Amazônias – Complexo Porto Futuro II, Armazém 4A

Hora: 13h às 17h (horário de Brasília)

Gestão Territorial e Ambiental Quilombola: Contribuições para a Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas no Cerrado e na Mata Atlântica

Local: Zona Verde, auditório Uruçu

Hora: 13h45 às 14h45 (horário de Brasília)

18 de novembro

PNAGTI e Justiça Climática: a importância da gestão ambiental e demarcação de Terras Indígenas no Brasil

Local: Zona Azul, auditório Sumaúma

Hora: 12h30 às 13h30 (horário de Brasília)

Seminário ‘Criadores de Refúgios, Guardiões do Futuro’, da CONAF e Citafro)

Local: Museu das Amazônias – Complexo Porto Futuro II, Armazém 4A

Hora: 13h às 17h (horário de Brasília)

19 de novembro

Trilha do Bem Viver e Reparação: Povos Afrodescendentes rumo à COP30

Local: Zona Verde, auditório Uruçu

Hora: 10h às 11h (horário de Brasília)

Do Compromisso à Implementação: Acelerando a Mitigação do Metano no Brasil

Local: Pavilhão de Soluções para Superpoluentes

Horário: 15h às 16h

NDC Indígena: Nossos Povos e Territórios são a Resposta à Crise Climática

Local: Zona Azul, auditório Cumaru

Hora: 15h às 16h (horário de Brasília)

20 de novembro

Pela reparação e pelo bem viver: povos afrodescendentes rumo à COP 30

Local: Zona Azul, auditório Cumaru

Hora: 13h45 às 14h45 (horário de Brasília)

21 de novembro

Direito internacional e a emergência climática: diálogo sobre os pareceres consultivos dos tribunais internacionais

Local: Zona Azul, auditório Sumaúma

Hora: 10h às 11h (horário de Brasília)

Justiça Climática é Preta — e começa no chão da vida

Justiça Climática é Preta — e começa no chão da vida

A luta contra a crise climática não é apenas uma questão de tecnologia, metas ou acordos internacionais: é, sobretudo, uma questão de justiça. No coração dessa luta estão os povos afrodescendentes rurais, que há séculos preservam florestas, cultivam alimentos de forma sustentável e mantêm vivas as águas e os solos — muitas vezes sem reconhecimento ou apoio. O artigo abaixo traz à tona essa contradição: quem mais protege o planeta segue invisível nos espaços onde se decide o futuro climático da humanidade.

Justiça Climática é Preta — e começa no chão da vida

Por Thaís Rodrigues*

Enquanto o mundo debate metas de carbono e transições energéticas, há quem já esteja fazendo, há séculos, o que muitos ainda estão prometendo: proteger a natureza, cultivar alimentos de forma sustentável, manter florestas em pé e rios vivos. São os povos afrodescendentes rurais — quilombolas no Brasil, palenques na Colômbia, garífunas em Honduras, cimarrones em Cuba e tantos outros — que seguem cuidando da terra com sabedoria ancestral e resistência cotidiana.

Mas esses mesmos povos, que tanto fazem pelo planeta, seguem invisíveis nas decisões que moldam o futuro climático da humanidade. A exclusão que começou com a escravidão e a colonização ainda se reflete hoje nas políticas ambientais e nos espaços internacionais de negociação. E é justamente essa contradição que precisa ser enfrentada com coragem e urgência na COP30, que será realizada em Belém do Pará.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) foi criada em 1992 com o discurso da justiça climática e da participação inclusiva. Mas, mais de 30 anos depois, os povos afrodescendentes ainda não têm assento formal, nem mecanismos próprios de financiamento ou consulta. Ou seja: quem menos poluiu, quem mais protege, continua fora da sala onde se decide o futuro do planeta.

Essa ausência não é técnica. É política. E é injusta.

Em 2024, durante a COP16 da Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia, lideranças étnico-territoriais conquistaram um marco histórico: a inclusão dos afrodescendentes no artigo 8J da Convenção sobre Diversidade Biológica. Agora, o desafio é outro: garantir presença efetiva nas negociações climáticas. Para isso, mais de 16 países da América Latina e Caribe se uniram na Coalizão Internacional dos Povos Afrodescendentes (Citafro), que entregou em maio uma carta ao presidente da COP30, André Corrêa do Lago, com reivindicações que representam mais de 180 milhões de afrodescendentes no continente.

Enquanto isso não se concretiza, quilombolas, palenques, garífunas, cimarrones e demais povos seguem plantando, pescando e defendendo seus territórios. Eles mostram, na prática, que a luta pelo clima começa no chão da vida — e que as soluções mais eficazes muitas vezes vêm de quem o mundo insiste em não ouvir.

No Brasil, os quilombos são barreiras vivas contra o colapso ambiental. Em Furnas do Dionísio, no Mato Grosso do Sul, a agroecologia quilombola fortalece a soberania alimentar e a resiliência diante das secas. No Vale do Ribeira, em São Paulo, comunidades produzem alimentos sem monocultura, enquanto enfrentam ameaças de barragens e mineração. Nos mangues, sistemas de pesca artesanal mantêm vivos os ecossistemas e reduzem emissões. Onde há quilombo, há floresta em pé.

Biko Rodrigues, quilombola de Ivaporunduva e coordenador da CONAQ, resume com clareza: “A maioria dos países da Amazônia Legal e da Pan-Amazônia têm grande presença da população negra, fundamental na preservação do maior bioma tropical do planeta. Garantir a titulação dos territórios quilombolas é assegurar que a balança climática continue favorecendo o mundo. Onde estamos, tem floresta em pé. Nada mais justo do que garantir o direito à terra para que possamos seguir preservando a biodiversidade e construindo um planeta mais justo.”

A COP30 precisa ouvir essas vozes. A titulação dos territórios quilombolas é uma ferramenta concreta de mitigação. Segundo estudo do MapBiomas, entre 1985 e 2022, a perda de vegetação nativa em territórios quilombolas foi de apenas 4,7%, contra 17% em áreas privadas. Quilombolas já enfrentam secas, inundações e erosão, mas sem reconhecimento formal na UNFCCC, não têm acesso a reparações. E mesmo quando há recursos disponíveis, a burocracia impede que eles cheguem diretamente às comunidades. Projetos precisam passar por governos ou intermediários que nem sempre priorizam os territórios negros.

Fran Paula, engenheira agrônoma da CONAQ, alerta: “O atual plano de transição ecológica ainda reproduz uma lógica excludente e racista, centrada nos grandes setores econômicos. Não garante mecanismos concretos de escuta, participação e financiamento direto às populações quilombolas. O futuro climático só será justo com a participação quilombola.”

Na Colômbia, José Absalón Suárez Solís, presidente do Processo de Comunidades Negras (PCN), reforça: “Queremos que os instrumentos ambientais reconheçam os afrodescendentes como sujeitos coletivos de direitos, valorizando nossos conhecimentos ancestrais como fundamentais para a adaptação, mitigação e preservação florestal.”

Não há espera passiva. Os povos afrodescendentes já estão agindo. Preservam florestas, cultivam alimentos sustentáveis, defendem rios e constroem alternativas reais à crise climática. A exigência é que essas práticas sejam reconhecidas e apoiadas de forma justa e direta e que incluam:

  • Reconhecimento dos povos afrodescendentes como sujeitos de direitos dentro da UNFCCC;
  • Mecanismos específicos para financiamento climático direto;
  • Participação plena nos órgãos e instrumentos da Convenção;
  • Segurança jurídica dos territórios;
  • Visibilidade dos afrodescendentes na Amazônia, que historicamente habitam e preservam esse bioma.

O que os povos afrodescendentes reivindicam não é favor. É o que lhes é devido. Durante séculos, cuidam de florestas, águas e solos. Agora, exigem que o mundo reconheça que sua contribuição é parte fundamental da solução para a crise climática.

*Thaís Rodrigues é jornalista quilombola, correspondente da Gota na CONAQ

Quilombos na Calha Norte: criadores de refúgio e guardiões da biodiversidade

Quilombos na Calha Norte: criadores de refúgio e guardiões da biodiversidade

Enquanto o desmatamento ameaça a Amazônia, os quilombos da Calha Norte, no Pará, mostram um caminho diferente: são territórios de resistência, refúgio e biodiversidade. O artigo abaixo revela como essas comunidades se tornaram fundamentais para a proteção do clima, da floresta e da vida, um tema central para o Brasil rumo à COP30.

Quilombos na Calha Norte: criadores de refúgio e guardiões da biodiversidade
Enquanto o desmatamento avança sobre a Amazônia, comunidades quilombolas mostram que proteger territórios é proteger o futuro do planeta.

Por Monica Prestes * 

No noroeste do Pará, um imponente bloco verde resiste. Formado por florestas preservadas e rios saudáveis, ele contrasta com o cenário de degradação que domina o sul do estado-sede da COP30: pastos abandonados, garimpos ilegais e rios feridos. É na Calha Norte do Rio Amazonas que se encontra o maior bloco contínuo de áreas protegidas do Brasil — uma área equivalente à soma dos estados do Paraná e Alagoas. 

Esse cinturão de proteção ambiental reúne 11 Unidades de Conservação, seis Terras Indígenas e 39 comunidades quilombolas distribuídas em sete territórios. Juntas, essas áreas mantêm em pé mais de 27 milhões de hectares de floresta tropical. Para se ter uma ideia, a capacidade de reter carbono da Calha Norte supera a das florestas da Indonésia e do Congo, que, ao lado da Amazônia, formam o principal cinturão de florestas tropicais do planeta. 

Mais do que um refúgio ecológico, esse território é um elo vital entre a Amazônia Central e o Corredor de Biodiversidade do Amapá, formando o maior corredor de biodiversidade em florestas tropicais do mundo. São essas florestas que alimentam os chamados “rios voadores”, responsáveis por levar umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil — regiões que dependem dessas chuvas para o agronegócio e a geração de energia. 

Mas a Amazônia que conhecemos hoje é também fruto da sabedoria ancestral dos povos indígenas e quilombolas. Eles manejam a floresta há séculos e continuam sendo a forma mais eficaz de proteção ambiental. Estudos do Instituto Socioambiental (ISA) mostram que os territórios quilombolas perderam apenas 4,7% de suas florestas entre 2003 e 2022, enquanto as áreas privadas ao seu redor perderam 17%. Além disso, esses territórios armazenam 48% mais carbono florestal. 

No final de julho, um estudo publicado pela revista Nature reforçou essa evidência: os quilombos são verdadeiros guardiões da biodiversidade, com maior variabilidade de espécies e retenção de carbono. Em Oriximiná, município paraense que abriga o primeiro quilombo titulado do Brasil (Boa Vista) e o maior titulado da Amazônia (Cachoeira Porteira), mais de 80% das florestas estão protegidas. Ali vivem quase 10 mil quilombolas — 13% da população local, percentual bem acima da média nacional de 0,66%. 

Essas comunidades construíram, ao longo das décadas, uma bioeconomia baseada em produtos florestais não madeireiros, como castanha, andiroba e copaíba, além de atividades sustentáveis como o artesanato e o turismo de base comunitária. Essa estratégia tem sido essencial para enfrentar as pressões da mineração, do agronegócio e dos grandes empreendimentos. 

Proteger os territórios quilombolas é proteger o clima. É reconhecer que há saberes ancestrais que sustentam a vida e que, diante da emergência climática, podem ser nossa melhor esperança. Com a COP30 se aproximando, o Brasil tem a oportunidade de assumir um papel de liderança ambiental global — e isso passa, necessariamente, pelo reconhecimento dos direitos quilombolas. 

A adesão da CONAQ à Coalizão Internacional CITAFRO marca um avanço decisivo rumo ao protagonismo afrodescendente nas negociações climáticas. Representando comunidades de 18 países da América Latina e Caribe, o bloco ganha força justamente na primeira COP a reconhecer formalmente essas populações nos debates sobre clima, com a criação de uma Comissão Internacional e a aprovação de uma carta-manifesto. É chegada a hora de escutar quem há séculos protege o que ainda resta da floresta — e de garantir que suas vozes influenciem os rumos do planeta. 

*Monica Prestes é jornalista e correspondente da Gota na Amazônia 

 

 

 

Como liderar a transição energética com menos metano?

Como liderar a transição energética com menos metano?

O Brasil está prestes a ser o anfitrião da COP30 e tem uma oportunidade única de liderar a transição energética justa. Mas como fazer isso em um país ainda tão dependente do petróleo? Neste artigo, Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, mostra que há um caminho possível, urgente e estratégico: reduzir as emissões de metano no setor de óleo e gás.

Como liderar a transição energética com menos metano?

Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás

Por Henrique Bezerra

Às vésperas de presidir a COP30, o Brasil tem a chance de liderar a frente de transição energética justa, mas vive o impasse: como reduzir a dependência do petróleo? A ciência aponta soluções concretas, que passam por reduzir as emissões de metano na atmosfera. Uma estratégia de curto e médio prazo, que requer celeridade e se fortalece diante do alerta sobre os efeitos da crise climática no derretimento das calotas polares.

Segundo estudo publicado na Communications Earth & Environment, nem a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, limitar o aquecimento a 1,5°C, seria suficiente para evitar o colapso das geleiras. O limite de segurança, segundo os pesquisadores, seria de 1°C ou menos.

Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis

Em entrevista ao programa Cidades e Soluções, do canal GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma afirmação corajosa: “temos que, o quanto antes, prescindir do petróleo”. A fala sintetiza um dilema da transição energética no Brasil — como reduzir a dependência de combustíveis fósseis enquanto ainda convivemos com sua presença no sistema produtivo.

Como bem apontou o ministro, ainda não existe tecnologia capaz de usar petróleo sem emissões. Mas há soluções para reduzir significativamente os impactos da produção atual: cortar as emissões de metano no setor de petróleo e gás. O metano é um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO₂ no curto prazo e responsável por cerca de 45% do aquecimento global recente. Ainda assim, o Brasil não possui regulação efetiva para mitigar essas emissões no setor energético.

A boa notícia é que essa lacuna representa uma oportunidade. Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás. Mais que um avanço ambiental, essa medida representaria um ganho econômico e geopolítico, permitindo ao Brasil exigir o mesmo nível de ambição de outros países produtores — inclusive no âmbito do Brics e da Opep+.

O Methane Tracker da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) evidencia a dimensão desse desperdício: em 2023, o potencial de oferta adicional de gás natural — por meio da mitigação de emissões de metano e do fim da queima rotineira (flaring) — superou as exportações totais do maior exportador mundial, os EUA. Foram 196 bilhões de metros cúbicos desperdiçados, frente a 177 bilhões exportados pelos americanos.

Estamos literalmente deixando escapar uma fonte de energia valiosa. Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis.

Essa estratégia combina responsabilidade climática com eficiência econômica e nos aproxima de uma transição energética justa — que reconhece a urgência da crise climática sem negligenciar os desafios sociais e econômicos da descarbonização.

Vale lembrar que o Brasil lidera também em outro aspecto: segundo pesquisa do Global Methane Hub em 17 países, a população brasileira foi a que mais demonstrou apoio à mitigação de metano e maior percepção dos impactos de eventos climáticos extremos. Isso mostra que a sociedade está pronta. Cabe ao governo transformar essa expectativa em ação e fazer da mitigação de metano uma prioridade nacional.

A COP30 é nossa chance histórica de liderar pelo exemplo. Que não a desperdicemos.

Henrique Bezerra é líder regional para a América Latina no Global Methane Hub.

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