Na ponta do lápis

Na ponta do lápis

Milhões, bilhões, trilhões: cifras astronômicas costumam entrar na velha argumentação de que o sacrifício ambiental se justificaria para a geração de riqueza e de progresso, e que desacelerar a insustentável máquina do desenvolvimento que move o país teria um custo alto e consequências desastrosas. Na ponta do lápis, porém, já se sabe que não é bem – ou nada – assim. Para começo de conversa, segundo estudo divulgado por oito ONGs ambientalistas na 23ª Conferência do Clima, em Bonn, na Alemanha (COP 23), derrubar árvore para plantar soja e criar boi soma a merreca de 0,013% por ano ao nosso PIB; já estancar totalmente o desmatamento teria um custo de 0,62% da riqueza produzida pelo país até 2030, o que dá menos de R$ 4 bilhões ao ano, de acordo com o Instituto Escolhas. Parece muito, mas para efeito de comparação, só a Medida Provisória 795/2017, vulgo MP do Trilhão, que concede benefícios fiscais à indústria petrolífera, caso aprovada custaria anualmente aos cofres públicos dez vezes mais, R$ 40 bilhões.

Melhor seria investir para manter a floresta de pé. Mesmo ficando mal na foto da COP 23, o Brasil saiu de lá com mais R$ 500 milhões em doações para investir no combate ao desmatamento. E, como diz o jargão, o valor agregado das matas íntegras – com sua biodiversidade, riquezas naturais, neutralização de carbono, produção de água etc. –, se correta e sustentavelmente exploradas, poderia levar a conta para o azul. Produzir, por exemplo frutas e especiarias de alto valor comercial, com baixo impacto ambiental e tendo recursos para processamento, armazenamento e infraestrutura de mercado, geraria muito mais dinheiro que criar gado ou plantar soja – especialmente para os pequenos e médios produtores.

Outra falácia: a produção agrícola necessita de mais áreas (tomadas às florestas) para se expandir. Estudos técnicos mostram que, se fosse melhor aproveitada, com novas tecnologias e conceitos sustentáveis, a atual extensão de terras ocupadas pelo agronegócio no Brasil poderia produzir pelo menos o dobro da média atual – inclusive em gado. O custo disso? Parcos R$ 1.989 por hectare.

Ironicamente, a derrubada clandestina da mata poderia ser uma volumosa fonte de arrecadação de dinheiro para o estado. Somente nos últimos 10 dias, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com 757 ações civis públicas na Justiça em razão de desmatamentos ilegais na Amazônia, coisa de 95,6 mil hectares (uns 95 mil campos de futebol). As ações cobram indenizações de 725 supostos desmatadores, num total que ultrapassa R$ 1,5 bilhão, e fazem parte do programa Amazônia Protege, lançado no dia último dia 21 e que identificou 1.262 áreas desmatadas com mais de 60 hectares cada. Quando todas as ações referentes ao total desmatado de 176,7 mil hectares, com 1.155 responsáveis, forem apresentadas à Justiça, o valor total das indenizações pedidas chegará a R$ 2,8 bilhões. Pena que dinheiro, sozinho, não faça fotossíntese nem combata as mudanças climáticas. Mais pena ainda dá saber que, entre 2011 e 2015, apenas 3% das multas foram efetivamente pagas.

Para piorar, em 24 de outubro de 2017 foi publicado o Decreto Federal nº 9.179, que institui o Programa de Conversão de Multas Ambientais lavradas por órgãos e entidades da União, integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e que, em resumo, permite a troca da punição financeira por compensações negociadas caso a caso – com todos os casuísmos que esse tipo de mecanismo costuma propiciar. Isso, claro, se ainda houver fiscalização após os cortes no orçamento para 2018, já que enxugaram a metade dos recursos destinados ao Ministério do Meio Ambiente.

O orçamento encolheu ainda mais radicalmente para uma série de iniciativas e programas destinados justamente a fomentar e apoiar formas sustentáveis e rentáveis de ocupação e uso do solo para a agricultura, como a legalização de terras para pequenos proprietários, reforma agrária, demarcação de terras quilombolas e praticamente todos os programas ligados à agricultura familiar e sustentável.

Apostando no contaminante combustível fóssil, o Brasil segue na mão contrária da maioria dos outros países e estimula o que até mesmo a China, considerada grande vilã das emissões de CO2, está deixando de lado em prol do uso de outras formas de energia renováveis e limpas. Não é que os chineses tenham, de repente, redescoberto uma ancestral consciência ecológica. O que eles – e a maior parte das nações industrializadas do mundo – perceberam é que o uso das novas tecnologias pode ser altamente lucrativo. E que cumprir as metas climáticas firmadas no Acordo de Paris (que na COP 23 ficou claro serem insuficientes), além de contribuir para diminuir o estrago global, rende um bom dinheiro. Um negócio da China.

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Cabo verde mesmo

Cabo verde mesmo

Há um país de língua portuguesa, ensolarado e onde venta à beça, que vai usar isso para funcionar com energia 100% limpa e renovável até 2025. Lamentavelmente, não falamos do Brasil, mas de Cabo Verde. Os cabo-verdianos começam a pôr em prática as metas que estabeleceram quando assinaram o Acordo de Paris. Hoje, essa taxa é de 25%.

Mesmo sendo um dos menores países do mundo, Cabo Verde consome muita energia. Por isso, o projeto também inclui medidas para evitar o desperdício. O arquipélago africano também é um dos mais prejudicados pelas mudanças climáticas. Dizem que o Brasil é o país do futuro, mas Cabo Verde pode chegar lá bem antes.

Via Nexo

Foto: Cabeólica

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Patrimônio Mundial em risco

Patrimônio Mundial em risco

Vamos ficar olhando Machu Pichu sumir do mapa? Dos 241 sítios naturais considerados Patrimônio Mundial pela Unesco, 62 estão ameaçados pelas mudanças climáticas. Além da cidade inca encravada nos Andes peruanos, podem desaparecer também as geleiras do Monte Kilimanjaro, as Ilhas Galápagos e a Grande Barreira de Corais da Austrália. No Brasil, o Pantanal é o mais ameaçado.

A lista foi apresentada ontem na 23ª Conferência do Clima (COP 23), em Bonn, na Alemanha, pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Além dos efeitos do clima, esses patrimônios também sofrem nas mãos dos turistas e são afetados pelo desmatamento e pela poluição. O patrimônio é mundial e o descaso, idem.

Foto: Peru Sports Travel

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As duas caras do Brasil na COP23

As duas caras do Brasil na COP23

Nesta quarta-feira (14/11), foi apresentado na 23ª Conferência do Clima da ONU, em Bonn, na Alemanha, (COP 23) o relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. Construído por oito ONGs ambientalistas, o texto indica caminhos para eliminar, no curto prazo, o desmatamento na Amazônia, com benefícios ambientais, econômicos e sociais para todos. Segundo o relatório, não há mais justificativas para a destruição da vegetação nativa do Brasil. Continuar desmatando resulta em desequilíbrio do clima, destrói a biodiversidade e os recursos hídricos, traz prejuízos à saúde humana e, ao contrário do que muitos acreditam, compromete a competitividade da produção agropecuária.

O problema é que o Brasil tem duas caras: da boca para fora, o discurso é o de um país preocupado com a preservação do meio ambiente, com os direitos dos povos tradicionais e com o desenvolvimento sustentável. Na prática, porém, o Governo tem promovido sistematicamente retrocessos nessas áreas, ferindo, inclusive, a própria Constituição brasileira.

O “avanço da fronteira agrícola”, um dos argumentos para os diversos retrocessos ambientais que vimos sofrendo e que resulta no aumento da área desmatada na Amazônia, acrescentou, em média, apenas 0,013% por ano ao PIB brasileiro na última década. E o grande vilão é a pecuária extensiva que, além de ser responsável por 65% do desmatamento na Amazônia, tem uma ocupação média de menos de uma cabeça por hectare. São 100 mil km² de pastos degradados na região, segundo dado do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de 2014, área pouco maior do que Portugal.

Entre outros retrocessos estão a MP 759, a MP da Grilagem, que anistia invasão de terras públicas entre 2004 e 2011; o Projeto de Lei (PL) que reduz a área da Floresta Nacional do Jamanxim; e mais recentemente a MP 795, a MP do Trilhão, que vai deixar de arrecadar R$ 1 trilhão em impostos até 2040 como incentivo a empresas interessadas na exploração de petróleo e gás no Pré-Sal. Segundo o ministro do Meio Ambiente Sarney Filho, o projeto tramitou “às escondidas” por pelo menos dois meses entre o Palácio do Governo e a Câmara, foi uma iniciativa do Ministério da Fazenda e só tem a assinatura do ministro Henrique Meirelles.

Outro estudo divulgado esta semana foi o da União Internacional Pela Conservação da Natureza (IUCN sigla em inglês), organização formada por órgãos de governos e da sociedade civil. Ele alerta para o fato de as mudanças climáticas duplicarem as reservas naturais ameaçadas. No mundo todo, existem 241 patrimônios mundiais naturais declarados pela Unesco. O estudo constatou que uma em cada quatro (62 no total) estão em risco. Esse número é o dobro do apresentado em 2014. No Brasil existem sete desses patrimônios naturais: o bioma Cerrado, as ilhas de Fernando de Noronha e Atol das Rocas e a Amazônia Central apresentam um bom grau de conservação, mas já inspiram preocupações. Já os biomas Mata Atlântica e Pantanal e o Parque Nacional do Iguaçu apresentam preocupações significativas com a degradação. Além das mudanças climáticas, o estudo destaca também as obras de infraestrutura como estradas e barragens, o desmatamento e o corte nos recursos públicos para conservação dessas áreas como agravantes para a degradação.

Na contramão dessas notícias negativas, uma positiva (mas com ressaltavas!). Dados do Projeto de Desmatamento e Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), divulgados pelo Ministro Sarney Filho também nesta semana durante a COP23, mostram que entre agosto de 2016 e julho deste ano, houve uma queda de 28% no desmatamento de florestas protegidas, administradas pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). O desmatamento é segundo menor já registrado pela série histórica, iniciada há 20 anos. A queda do desmatamento fora das Unidades de Conservação, porém, não foi acompanhada no mesmo ritmo, caindo apenas 16%.

Entretanto, o desmatamento em unidades de conservação federais representa 2,4% do total. O levantamento mostrou também um aumento de áreas de garimpo ilegal nas áreas protegidas. Neste ano, foram registradas até setembro 949 áreas de mineração, somando 45,8 km². Em todo o ano de 2016 o mapeamento apontava 382 áreas com 29,3 km².

O Ministério do Meio Ambiente e o Fórum dos Governadores da Amazônia Legal, ao lado do Ministério para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha, do Banco Nacional de Desenvolvimento/Fundo Amazônia e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia promoveram um debate com governos, o setor privado e a sociedade civil para discutirem os desafios e as oportunidades do desenvolvimento sustentável na Amazônia. O evento, chamado Amazon-Bonn, foi realizado no Museu de Arte de Bonn. Participaram, entre outros, José Sarney Filho, Ministro do Meio Ambiente do Brasil; Gerd Müller, Ministro de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha; o Cacique Raoni Kayapó, representante dos povos indígenas; Vidar Helgesen, Ministro do Meio Ambiente da Noruega; e Claire Perry, Ministra de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido. O resultado desse debate foi a assinatura de acordos de cooperação entre os quatro países que representam um investimento de aproximadamente US$ 100 milhões para o Brasil na área ambiental, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

Organizações ambientalistas, indígenas e de defesa dos direitos humanos, juntamente com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional reunidos na cidade, aproveitaram a ocasião para lançar o manifesto abaixo, no qual denunciam esses retrocessos e o discurso dúbio do governo brasileiro.

 

O Brasil na contramão: retrocessos internos comprometem metas do clima

Lideranças indígenas, organizações ambientalistas e de defesa dos direitos humanos, juntamente com representantes da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, uniram-se em Bonn, Alemanha, para protestar contra a contradição entre o discurso do Brasil na 23a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP 23) e a agenda de retrocessos em curso no país.

O grupo reconhece o esforço da diplomacia brasileira para sair deste encontro com um desenho progressista do livro de regras do Acordo de Paris. Porém o país, um importante ator nas negociações, está com a credibilidade internacional abalada por sucessivas medidas domésticas que impõem retrocessos, não só na agenda climática, mas também – e principalmente – na agenda de direitos humanos, que impactam toda a sociedade brasileira, atual e futura.

Os desafios internos para cumprir os compromissos brasileiros com as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) são enormes. As emissões nacionais de gases- estufa estão em alta. Dados do Observatório do Clima mostram que o Brasil emitiu em 2016 2,2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente a um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior. É a maior alta em 13 anos e o maior valor desde 2008.

Mesmo com a redução recente da taxa de devastação na Amazônia, o Brasil está longe de cumprir sua meta climática doméstica. Só em 2017, o desmatamento no bioma foi de 6.624 km2. Este número é 70% maior do que o que determina a lei nacional do clima, segundo a qual, o Brasil não poderia chegar em 2020 com mais de 3.900 km2 desmatados. Ou seja, para cumprir a meta, seria necessária uma queda inédita na taxa de desmatamento nos próximos três anos.

Na área de energia, o país também caminha na contramão do que deve ser feito. O Plano Decenal de Energia (2017-2026) prevê que 70,5% de todos os recursos destinados à investimentos em energia na próxima década vá para combustíveis fósseis, em especial para a exploração do pré-sal. O setor ainda pode receber mais um incentivo do governo e do Congresso: está para ser votada no Plenário da Câmara uma Medida Provisória, a 795, que amplia o subsídio às petroleiras, gerando uma renúncia fiscal de até R$ 1 trilhão em 25 anos.

É notória a lista de retrocessos socioambientais computados nos últimos meses, ancorada na aliança entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista, que articula reformas que impõem perdas ambientais e sociais, em uma série de medidas que tem aumentado os conflitos no campo, assassinatos de ativistas, desmatamento e emissões. Entre elas, destacamos:

• A Lei da Grilagem – A Lei 13.465/2017 anistia invasões de terras públicas feitas entre 2004 e 2011 e libera para regularização grandes propriedades de até 2.500 hectares.
• O marco temporal – O governo está adotando medidas que materializam uma tese ruralista que retira os direitos de índios e quilombolas que foram expulsos de suas terras antes da promulgação da Constituição de 1988. Centenas de processos de demarcação estão sendo afetados.
• Corte orçamentário – No bastasse a imposição da Emenda Constitucional 95 – que congela os investimentos públicos por 20 anos, e sucessivos cortes orçamentários que atingem frontalmente os órgãos de fiscalização e programas sociais, a proposta orçamentária para 2018 reduz ainda mais a capacidade do Estado de promover as políticas públicas. Isso compromete, entre outros, as atividades fundamentais da Funai, Incra e ICMBio, distanciando o Brasil dos compromissos no Acordo de Paris e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
• Trabalho escravo – Nosso país, que obteve reconhecimento internacional no combate ao trabalho escravo, em outubro deu outro passo atrás. O governo baixou uma portaria mudando o conceito de trabalho escravo de forma a dificultar a fiscalização e autuação deste crime.
• Arrendamento em Terras Indígenas – O governo, atendendo a mais um pleito ruralista, anunciou que enviará ao Congresso uma proposta de arrendamento de Terras Indígenas para o agronegócio. A medida, em afronta à Constituição, vai aumentar o desmatamento, a desagregação social e os conflitos.
• Criminalização e assassinato de ativistas – O Brasil é o país que mais mata lideranças indígenas, trabalhadores rurais, ambientalistas e defensores de direitos humanos. Os casos não contam com investigações aprofundadas e poucos criminosos chegam a ser indiciados. A bancada ruralista conduziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai e Incra com o claro objetivo de criminalizar lideranças e defensores dos direitos indígenas e quilombolas, membros do Ministério Público Federal e da academia.

Além disso, há outros retrocessos iminentes tramitando no Congresso: a flexibilização do licenciamento ambiental e do registro de agrotóxicos, a desregulamentação do setor de mineração e o enfraquecimento das unidades de conservação. O conjunto desses retrocessos e ameaças aos direitos conquistados enfraquece a posição brasileira nas negociações do clima. Nós, lideranças indígenas, parlamentares e sociedade civil, denunciamos essa incoerência. Demandamos que cessem o uso da agenda socioambiental como moeda de troca para a manutenção do governo. Exigimos:

• Que a Medida Provisória 795 seja retirada do Congresso;
• Que tanto a da Lei da Grilagem quanto a portaria do trabalho escravo, sejam revogadas;
• Que o orçamento dos órgãos de fiscalização e apoio às comunidades tradicionais e agricultura familiar seja recomposto.
• Repudiamos também todo e qualquer ato do Executivo, Legislativo ou Judiciário que atentem contra os direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, e seus modos de vida.

Entendemos que, sem reverter esses retrocessos, o Brasil não terá condições de cumprir os acordos internacionais. Mas, muito pior do que isso, ao jogar fora ativos fundamentais, como sua diversidade biológica, e desprezar sua sociodiversidade, o país está fechando diante de si a melhor oportunidade de construir uma agenda real de desenvolvimento no século marcado pelos desafios das mudanças climáticas.

Assinam este manifesto:

Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Apoinme -Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
Arpinsul – Articulação dos Povos Indígenas do Sul
Arpinsudeste – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
Comissão Guarani Ywyrupa
Conselho Terena
Aty Guassu
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
ISA- Instituto Socioambiental
CPI-AC – Comissão Pro-índio do Acre
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
ATIX- Associação Terra Indígena Xingu
HAY – Hutukara Associação Yanomami
CIR – Conselho Indígena de Roraima
Apina – Conselho das aldeias Wajãpi
Opiac – Organização dos Professores Indígenas do Acre
Foirn – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
OGM – Organização Geral Mayuruna
Wyty-Catë – Associação dos Povos Indígenas Timbira
Amaaic – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre
Frente Parlamentar Ambientalista
Coordenação do Observatório do Clima
Uma Gota no Oceano

Foto: Kate Evans/Center For International Forestry Research

Hora de reajustar o termostato

Hora de reajustar o termostato

Vamos começar amenizando o clima: o levantamento anual da ONG internacional Global Carbon Project, divulgado na 23ª Conferência do Clima da ONU (COP 23), em Bonn, na Alemanha, mostra que o desenvolvimento sustentável é possível: ao contrário do Brasil, que realizou a façanha de poluir mais e encolher o seu PIB, 22 países (entre eles Reino Unido, França e Suécia) vêm conseguindo aliar crescimento econômico e redução de emissões de CO2. A má notícia é que, embora esse grupo esteja fazendo o seu dever de casa, ele é responsável por apenas 20% das emissões globais. E o mais grave: estável há três anos, o nível de CO₂ liberado na atmosfera está subindo. A estimativa é de que, no fim do ano, seja contabilizado um aumento de 2% em relação a 2016. Ou seja: ou começamos a reajustar o termostato ou as metas do Acordo de Paris, para que a temperatura média global não suba mais do que 2°C até o fim do século, vão pelos ares.

A principal responsabilidade por esse triste feito é atribuída à recuperação da economia mundial e, em particular, ao reaquecimento econômico da China – dona, sozinha, de 28% das emissões e que ampliou seu lançamento de CO₂ em 3,5% em relação a 2016. Mas, claro, os chineses não estão sozinhos na festa do carbono. Na Índia, a alta foi de 2%, cifra que acompanha seu crescimento econômico. Segundo o estudo, dos 41 bilhões de toneladas das emissões globais de gás carbônico, 31 bilhões vêm da indústria e do uso de combustíveis fósseis. Em sétimo lugar entre os maiores poluidores do mundo, o Brasil responde por 3,4%.

No relatório do Global Carbon Project, o país aparece com emissões em queda – atribuída pelos técnicos não a qualquer política ou ação para a redução do carbono, mas, sim, à grave crise econômica que atravessamos. O estudo, no entanto, leva em consideração apenas as emissões do setor energético, não incluindo na conta as provocadas pelo desmatamento, nossa principal plataforma de lançamento de CO₂. Incluindo essas e outras cargas, em 2016 as emissões brasileiras subiram 9%, como consequência do aumento de 27% na taxa de desmatamento entre agosto de 2015 e julho de 2016, conforme concluiu o último relatório do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg). Com isso, o efeito terapêutico da crise – que tirou o país da tomada e nos fez efetivamente emitir 7,3% menos de CO₂ com energia – foi por água abaixo.

Uma série de decisões políticas justifica o fenômeno: as tentativas continuadas de redução de proteção de florestas e de Terras Indígenas; e os desestímulos a políticas de baixo carbono, tanto para atividades no campo (como o crédito à agricultura de baixa emissão, que em 2017 atingiu seu patamar mais baixo) quanto a utilização das energias solar e eólica. “Ninguém pode acreditar no que o governo brasileiro diz aqui (na COP 23), porque é o contrário do que se faz no Brasil. Lá, as emissões avançam, quando aqui se fala que é para reduzir”, disse Sonia Bone Guajajara, da coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O fosso entre o discurso e a fala fica ainda maior com a MP 795/2017, que tem o potencial de conceder R$ 1 trilhão em subsídios para empresas petrolíferas ao longo das próximas duas décadas. Nossa vergonha só não é maior porque a própria Alemanha, país sede da COP 23, também não tem feito direito a sua lição de casa e não conseguirá cumprir suas metas climáticas. Papel mais feio ainda estão fazendo os EUA que, com a entrada da Síria no Acordo de Paris, hoje são o único país fora do tratado.

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