Cordão de isolamento

Cordão de isolamento

Puseram um cordão de isolamento em torno do Brasil. A causa principal não foi a Covid-19, mas outro mal que ora aflige o país: a falta de credibilidade. É uma espécie de isolamento térmico; nos deram um gelo nas discussões sobre o clima. O país, que antes ocupava a cabeceira da mesa na Cúpula da Ambição Climática, não teve direito a nenhum dos 80 assentos disponíveis este ano. O evento serve para traçar metas e objetivos que serão negociados na próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-26) – a ser realizada na Escócia somente no fim do ano que vem, devido à pandemia. Se antes o Brasil dava as cartas, agora não somos mais convidados para definir as regras do jogo. Perdemos este privilégio. E o pior: a troco de nada. Há uma contradição interessante em curso. A sensação é parecida com a daquela pessoa que chega mega entusiasmada a uma festa, mas com quem ninguém quer papo. É triste, mas é verdade: o Brasil se tornou um espalha-bolinho global.

O Acordo de Paris está fazendo cinco anos e a pandemia deixou claro que os países não só precisam cumprir o acertado, como reavaliar suas metas. Aqueles que entenderam o recado se apressaram em agir. Joe Biden, presidente eleito dos EUA, já adiantou que seu país voltará ao tratado e que apresentará ao Congresso um plano de US$ 2 trilhões para combater as mudanças climáticas. China, Coreia do Sul e Japão anunciaram que vão zerar suas emissões de carbono até 2050; já a União Europeia revisou sua meta até 2030 e aumentou a redução de 40% para 55%, em relação aos níveis de 1990; brigado com o bloco, até o Reino Unido deu sua contribuição e aumentou de 40% para 68% a fatia de poluição a ser reduzida até 2030, na comparação com 30 anos atrás. Juntos, esses países respondem por 2/3 das emissões globais.

Você deve estar se perguntando o que o Brasil fez em relação a isso, não é? Nosso país é o sexto maior emissor (3,2% do total), sendo que o desmatamento responde por 44% do CO₂ que despejamos na atmosfera. Em 2020, 11.088 km² de floresta foram abaixo. Isso dá quase três vezes mais que a meta de 3.925 km², estabelecida para este ano pela Política Nacional de Mudança do Clima, em 2009. A conta é simples. Numa prova em que precisávamos ter nota 10, tiramos menos que 5. E o pior é que, ao que tudo indica, nosso governo é aquele tipo de aluno que faz de tudo para tentar esconder a nota dos pais (no caso, somos todos nós, brasileiros).

No último dia 8, o Ministério do Meio Ambiente apresentou as novas metas climáticas do país no âmbito do Acordo de Paris. “Novas” é forma de dizer. O texto manteve o compromisso brasileiro de reduzir em 43% as emissões de carbono até 2030, em comparação aos números de 2015. Por si só, o fato já representaria um descompasso. É como se o mundo todo estivesse dobrando sua contribuição em uma vaquinha e o Brasil continuasse pagando o mesmo. Não tem jeito: sempre pega mal. Mas uma pegadinha mostra que o vexame foi ainda maior.

Quando o acordo foi firmado, em 2015, a estimativa de emissões de poluentes pelo país era de 2,1 bilhões de toneladas. Posteriormente, estudos mais apurados indicaram que a sujeira liberada tinha sido maior, na casa de cerca de 3 bilhões de toneladas. Adivinha em que indicadores se baseiam as novas metas de redução do governo? No maior, é claro. Foi o jeito que o Brasil arranjou de poder poluir mais dizendo que ia poluir o mesmo. Ficou parecendo uma daquelas promoções em que os produtos saem pela metade do dobro do preço. Isso para não falar em outras jogadas, como pedir US$ 10 bilhões por ano a outros países na forma de incentivo para cumprir o combinado e a promessa de descarbonizar a economia só em 2060 – ou seja, dez anos depois da China. Tem cabimento?

Se uma coisa este ano de 2020 nos provou é que, juntos somos capazes de driblar até as situações mais complicadas. Está aí a vacina contra Covid-19, que teve o desenvolvimento mais rápido da história graças a um esforço de cientistas do mundo todo e não nos deixa mentir. A máxima vale inclusive em relação à possibilidade de harmonizar preservação da natureza e crescimento econômico – algo que, na verdade, nem é tão difícil assim. Em 2019, as emissões na União Europeia diminuíram em 3,7% – o nível mais baixo dos últimos 30 anos – enquanto o PIB cresceu 1,5%.

Há milênios, os indígenas já perceberam que cuidar do meio ambiente é um belíssimo investimento. Falta agora que o restante de nós se dê conta disso. Quando o desmatamento na Amazônia despencou em 82%, entre 2004 e 2014, a pobreza extrema caiu 63% no país. Coincidência? Parece que não. Só não vê quem vive em outro mundo.

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