Dieta de baixo carbono

novembro 2018

Para tudo, porque o planeta está muito mais dodói do que a gente pensava: um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) diz que as concentrações de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera aumentaram mais 0,5% de 2016 para 2017, chegando a 405,5 partes por milhão (ppm). Há dois anos elas ultrapassaram pela primeira vez a marca das 400 ppm e, desde então, só vêm subindo. A última vez que a concentração esteve neste nível foi entre 3 milhões e 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura da Terra era de 2°C a 3°C mais alta. “Sem reduções rápidas de emissões de CO₂ e de outros gases do efeito estufa, as mudanças climáticas terão impactos cada vez mais destrutivos e irreversíveis sobre a vida no planeta. E a janela de oportunidade para tomar uma atitude está quase fechada”, alertou o finlandês Petteri Taalas, secretário-geral da OMM. Não tem mais como adiar: é preciso adotar para ontem uma dieta radical de baixo carbono.

A má notícia chega às vésperas da 24ª Convenção sobre as Mudanças Climáticas da ONU (COP 24), que acontece entre 2 e 14 de dezembro, em Katowice, na Polônia. O objetivo do encontro é justamente adotar um guia de implementação do Acordo de Paris. O Brasil vai precisar correr para fazer a sua parte. Houve uma redução de 2,3% de nossas emissões de gases do efeito estufa em 2017, mas como ela está diretamente ligada à diminuição de 12% no desmatamento da Amazônia, a tendência é que os números deste ano sejam bem mais altos. A região perdeu mais de cinco cidades de São Paulo em cobertura florestal, entre agosto do ano passado e julho de 2018; um aumento de 13,7% na taxa de desmatamento em relação ao período anterior. É a maior devastação em uma década. Isso dá 7.900 km² de floresta a menos e mais de 2 bilhões de toneladas brutas de gases emitidos a mais. Não custa lembrar que nos comprometemos a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e compensar as emissões da remoção legal de vegetação até 2030.

“O Brasil vem mantendo suas emissões num mesmo patamar há 8 anos, variando de acordo com a taxa de desmatamento”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima. “O fato de a gente estar com as emissões estabilizadas é uma boa notícia, já que elas estão crescendo no mundo. O problema é que estabilizamos as nossas num nível muito alto”, completa. O setor agropecuário responde por 71% de nossas emissões, em boa parte pela derrubada da floresta para plantar ou criar gado. Tasso Azevedo aposta que resolvendo essa relação aparentemente conflituosa, podemos reduzir pela metade as emissões do agronegócio em menos de quatro anos: “Nós dominamos a tecnologia da agricultura de baixo carbono, sabemos produzir mais sem desmatar. Basta que produtores e indústrias implementem essa política. É uma grande oportunidade para o país, inclusive economicamente falando, e uma grande contribuição para o mundo”.

O Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura, ou Plano ABC, poderia ser a salvação da lavoura. Mas tem chovido cada vez menos em sua horta, desde que foi criado em 2010, pelo governo federal. Mesmo que seja considerado fundamental para que o país cumpra as metas do Acordo de Paris, seu orçamento vem minguando a cada ano. Ele também exige muito do agricultor e lhe oferece poucas vantagens em troca. O programa consiste num conjunto de seis tecnologias que, aplicadas em escala, ajudariam a reduzir emissões da agropecuária. A principal delas é destinada à recuperação de pastagens degradadas, que poderiam ser usadas na agricultura. O Brasil é obrigado por lei a restaurar, até 2020, 150 mil km² de áreas de pasto degradado. Além disso, comprometeu-se a recuperar outros 150 mil km² até 2030, como uma de suas metas no Acordo de Paris. Se quisermos honrar nossa parte no tratado, porém, o volume de crédito concedido pelo Plano ABC aos agricultores precisa aumentar, e muito. Só para restaurar pastagens, seriam necessários R$ 22 bilhões, segundo o Ministério do Meio Ambiente. E o orçamento para o programa este ano foi de apenas R$ 2 bilhões.

Deixar a floresta de pé também é um bom negócio. E mais de 620 mil km² de terras que pertencem à União, mas não estão destinadas à preservação ou à demarcação, estão sob ameaça na Amazônia. É uma área equivalente ao território da França. E um estudo inédito de 13 pesquisadores brasileiros, liderados pelos professores Britaldo Soares Filho e Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicado na revista científica “Nature Sustainability”, concluiu que o país pode perder US$ 2 bilhões por ano caso a essas terras sejam invadidas. É a soma em dinheiro que equivale à quantidade de água que a floresta produz ou conserva.

“Através da regulação das chuvas, ou seja, da manutenção dos recursos hídricos, as florestas contribuem imensamente para a produção agropecuária, sobretudo a de soja. Assim, com essas áreas desmatadas, o setor vai perder uma fatia substancial da sua renda”, explica Britaldo Soares. “O desmatamento da floresta torna escassos os recursos hídricos. Com isso, as usinas hidrelétricas produzem menos, necessitando de fontes mais caras de energia e aumentando a conta de luz do consumidor”, completa Raoni Rajão. O que não quer dizer que essas áreas devam permanecer intocadas: elas podem sediar projetos de desenvolvimento sustentável. A União precisa decidir urgentemente o que fazer com essas terras antes que algum aventureiro lance mão delas. E o Brasil precisa assumir sua responsabilidade com o mundo antes que ele vá para a UTI.

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