Se alguém poderia se gabar de ter autoridade no Brasil seria Raoni Metuktire: o cacique Kayapó já foi recebido por reis, papas, primeiros-ministros e presidentes. Aos 89 anos – estimados, pois não se sabe ao certo em que ano nasceu, no vilarejo de Krajmopyjakare, no Mato Grosso – há mais de seis décadas ele vem lutando para que o seu povo reencontre a paz. Sua luta se intensificou a partir do ano passado, quando o governo adotou uma política francamente anti-indigenista – o que o levou concorrer o Prêmio Nobel. A partir de hoje, ele se reúne com 450 representantes de 47 povos na a aldeia Piaraçu, às margens do Rio Xingu, para discutir novas estratégias para defender suas culturas e territórios. O encontro acontece num momento especialmente grave, pois o executivo prepara sua maior ofensiva contra os indígenas: um Projeto de Lei que libera a exploração de minério, gás, petróleo, agropecuária e a construção de hidrelétricas em suas terras.
Raoni conheceu os Irmãos Villas-Bôas em 1954, quando aprendeu a língua portuguesa e começou sua atuação pelos direitos dos povos originários e a preservação da Amazônia. Foi a primeira liderança indígena a ser recebida por um presidente brasileiro, Juscelino Kubitschek, no fim daquela década. Em 1962, encontrou-se com o Rei Leopoldo III da Bélgica – que abdicaria do trono para se dedicar à antropologia e à fotografia – e, a partir daí, sua causa começou a ganhar relevância mundial. Durante a ditadura militar a invasão por grileiros, madeireiros e garimpeiros, começou a se intensificar no Parque Indígena do Xingu, que abriga 16 povos. Outros caciques queriam ir à guerra, mas Raoni buscou o caminho da negociação. Esta história é contada no documentário que leva o seu nome, uma produção franco-belgo-brasileira rodada em 1973. “Raoni” foi apresentado no Festival de Cannes de 1976 e, três anos depois, ganhou uma versão em inglês, com narração de Marlon Brando, que concorreu ao Oscar de melhor documentário.
O cacique também participou ativamente na elaboração do Artigo 231 da Constituição de 1988, que finalmente reconheceu o direito dos povos originários às suas terras. Em 1989, ele partiu para a sua primeira viagem internacional, ao lado do amigo Sting. Já naquela época, Raoni defendia que a preservação da Amazônia era essencial para a sobrevivência da vida no planeta. Durante a turnê, ele esteve com então primeiro-ministro da França, Jacques Chirac, o rei Juan Carlos da Espanha, o Príncipe Charles da Inglaterra e o Papa João Paulo II. Em 1993, conquistou sua primeira grande vitória: o governo brasileiro finalmente homologou o Parque Nacional do Xingu.
Os retrocessos promovidos pelo atual governo fizeram com que o cacique retomasse suas peregrinações, em maio de 2019. Ele esteve com o presidente da França, Emmanuel Macrón, que revelou a intenção de promover este ano em seu país uma cúpula internacional dos povos indígenas. Na mesma viagem, também visitou o Vaticano e foi recebido pelo Papa Francisco. O encontro aconteceu cinco meses antes do Sínodo da Amazônia, a reunião de bispos que pôs a floresta e seus povos no centro das discussões da Igreja Católica, e definiu o conceito de “pecado ecológico”.
Raoni é respeitado no mundo inteiro justamente por não restringir sua luta somente aos direitos de seu povo. Quando ele diz “não destruam o futuro de nossas crianças”, não se refere somente aos curumins Kaiapó. “Já faz um bom tempo que eu falo aos líderes brasileiros: vamos nos respeitar, nos amar, para que todos vivam em paz. Quando viajo para outros países eu levo a minha mensagem, que é para todos os povos se respeitarem”. É um guerreiro em busca da paz.
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