O mar não é lugar para falsas soluções. Em meio à emergência climática, cresce a tentativa de apresentar o gás natural liquefeito (GNL) como uma alternativa “limpa” para a transição energética, especialmente no setor naval. Mas essa narrativa ignora uma verdade: o GNL é composto majoritariamente por metano, um gás de efeito estufa extremamente potente, que agrava o aquecimento global e ameaça diretamente os oceanos. No artigo a seguir, publicado no site O Eco, em 13 de junho, a oceanógrafa Elissama Menezes revela por que o GNL é uma aposta cara, poluente, ultrapassada e como o Brasil pode (e deve) fazer diferente.
O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil?
Por Elissama Menezes*
É impossível ignorar uma ameaça crescente ao nosso planeta: o avanço na atmosfera do metano (CH4), presente na composição do gás natural liquefeito. Conhecido como GNL, ele é equivocadamente promovido como uma alternativa limpa para a transição energética na indústria marítima, onde é largamente utilizado. Mas a realidade é outra: o metano é um potente gás de efeito estufa (GEE), similar ao dióxido de carbono (CO2). Apesar de permanecer na atmosfera por menos tempo que o CO2, ele absorve 82 vezes mais energia. Ou seja, sua contribuição para o efeito estufa é igualmente impactante e prejudicial ao meio ambiente.
Avaliação recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o caminho para garantir um futuro habitável para o planeta passa pela urgente eliminação dos combustíveis fósseis e por cortes profundos e imediatos nas emissões de gases em geral. Na contramão disso, dados do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) apontam que, entre 2016 e 2023, as emissões de metano no transporte marítimo aumentaram 180%, impulsionadas principalmente pelo uso do GNL nas embarcações. Esse incremento de emissões acelera o aquecimento global, intensifica a acidificação dos oceanos, ameaça recifes de corais e compromete cadeias alimentares, afetando a segurança alimentar de milhões de brasileiros. Mas os riscos não param por aí. O GNL avança sobre territórios marcados por alta biodiversidade e povos originários, colocando em xeque importantes patrimônios culturais da humanidade.
Mas, mesmo diante desse cenário, o Brasil parece apostar em um mercado sem futuro. O país tem demonstrado interesse em investir em navios movidos a GNL. Isso vai de encontro aos dados da Agência Internacional de Energia, que estima que, daqui a cinco anos, a demanda por gás natural vai cair drasticamente, projeções alinhadas com o Acordo de Paris. Ou seja, são ativos com décadas de vida útil e sério risco de se tornarem obsoletos em pouquíssimo tempo. Além disso, a partir de 2028, embarcações que usam GNL começarão a pagar taxas sobre emissões de carbono – mais uma prova que essa opção é uma estratégia incompatível com um futuro climático seguro, com a saúde dos oceanos e com os compromissos de redução de emissões para nos garantir um futuro sustentável.
A COP30 em Belém é uma enorme oportunidade para o Brasil mudar de direção e liderar uma transição energética justa e inclusiva, investindo em energias renováveis e em modelos de transporte resiliente. Continuar insistindo em falsas soluções, como o GNL do setor naval, não é definitivamente o melhor caminho.
As águas profundas da Amazônia e do litoral brasileiro não merecem ser palco de mais uma aposta equivocada no atraso. Neste Dia Mundial dos Oceanos – que cobrem 71% da superfície da terra e são vitais para a produção de oxigênio e regulação climática global –, esperamos que o país olhe para o mar não como depósito de metano, mas como fonte de vida e esperança.
Elissama Menezes é oceanógrafa, diretora da Equal Routes e da campanha global “Diga Não ao GNL”.