Não há tempo para meias-palavras: “Declaramos inequivocamente que a Terra está enfrentando uma emergência climática”, diz um manifesto assinado por mais de 11 mil cientistas de 153 países, publicado no último dia 5, na revista “BioScience”. O texto nos prepara para o pior ao afirmar, com todas as letras, que as “mudanças climáticas podem provocar sofrimento sem precedentes”. A publicação marca o aniversário de 40 anos da primeira Conferência sobre Alterações Climáticas, que aconteceu em Genebra, na Suíça, em 1979. Para chegar a essa conclusão, foram analisadas informações reunidas e publicadas de lá para cá. Entraram no estudo dados sobre o uso de energia, alterações de temperatura, crescimento populacional, desmatamento, degelo das calotas polares, índices de fertilidade, emissões de CO₂ e até o PIB dos países.
Os cientistas não fizeram isso só para nos apavorar, eles também apontam saídas. O relatório também fala de medidas urgentes que devemos tomar para evitar o pior. Para início de conversa, propõe taxar emissões de carbono, como forma a desestimular o consumo de combustíveis fósseis, além de eliminar os subsídios para o setor. A ideia é trocar o quanto antes o petróleo por fontes de energia renováveis. A segunda diz respeito aos poluentes de curta duração. São gases, como os hidrofluorcabonetos usados em refrigeração, que permanecem pouco tempo na atmosfera, mas têm grande impacto no efeito estufa. Limitar o seu uso poderia reduzir em até 50% os efeitos das mudanças climáticas.
Outra ação urgente diz respeito à preservação e restauração de ecossistemas – não só florestas, mas também o fitoplâncton, recifes de corais, mangues e pântanos. Também é preciso mudar nossos hábitos alimentares e reduzir o desperdício: comer mais frutas, vegetais e grãos, e menos carne “pode melhorar a saúde humana e reduzir significativamente as emissões de gases do efeito estufa”, diz o texto. E, é claro, racionalizar a exploração dos recursos naturais do planeta e buscar um modelo econômico mais sustentável.
O mais importante é que essas medidas sejam tomadas ontem. Outro relatório, do Fundo Ecológico Universal (FEU), também divulgado no dia 5, afirma que dos 184 compromissos firmados pelos países signatários do Acordo de Paris, cerca de 75% são insuficientes para retardar o aquecimento global, afirma relatório. O documento, que será apresentado na próxima Conferência sobre as Mudanças Climáticas da ONU (COP-25), em dezembro, na Espanha, ainda diz que, para piorar, alguns desses compromissos sequer começaram a ser implementados.
E o Brasil, o que tem feito? De acordo com a nova estimativa do Sistema de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, houve apenas um leve aumento de 0,3% em 2018 em relação a 2107. É para comemorar? Nem tanto. A boa notícia é que o aumento do uso de energias renováveis – movido, principalmente, pelos parques eólicos – compensou a quantidade de CO₂ lançada na atmosfera com o desmatamento. A má é que as emissões ligadas à destruição da floresta cresceram 3,6% e respondem por 44% do total. É uma informação especialmente preocupante se a gente levar em conta que a taxa de desmatamento disparou: segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), houve um aumento de 80% em relação a setembro de 2018. A floresta perdeu 802 km² de verde, o equivalente a mais da metade da área da cidade de São Paulo.
Este fato se torna mais preocupante ainda diante das últimas notícias: também no dia 5 o governo revogou o decreto que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, que impedia a expansão do seu cultivo na Amazônia. A medida pode ser um tiro no pé, pois além de o clima da floresta tropical ser ruim para este tipo de lavoura, o decreto 6.961, de 2009, foi um dos principais fatores que fez do etanol brasileiro um sucesso de venda no exterior. “É o único biocombustível de primeira geração aceito pela União Europeia, Japão e outros países como medida de redução das emissões de efeito estufa”, diz o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão. “A manutenção desse zoneamento é condição necessária para que a UE mantenha a cota de importações de 850 milhões de litros do Mercosul”, completa.
A outra diz respeito ao fim da moratória da soja na Amazônia, reivindicado por produtores com o apoio do Executivo. Por este acordo as empresas se comprometem a não comprar o produto cultivado em áreas desmatadas. É uma ideia que não se justifica pois em 2006, quando a moratória foi adotada, a soja ocupava 1,1 milhão de hectares de Amazônia e na safra 2017/18, a área havia aumentado para 4,66 milhões e somente 2% não cumpria a exigência. É autossabotagem que se chama.
Saiba mais:
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