Na COP26, verde é a cor mais jovem

novembro 2021

Geralmente cautelosa, a ONU, compreensivelmente abalada com os resultados do último relatório do IPCC, fez soar este ano as trombetas do apocalipse: botou o dinossauro (de computação gráfica) Frankie para anunciar a COP26, dizendo que o fim está próximo. O vídeo fez o maior sucesso; mas, incrivelmente, a extinção da Humanidade não foi um tema capaz de sensibilizar todo mundo. Com sinceridade rara, o primeiro-ministro britânico, o conservador Boris Johnson, resumiu o porquê, no discurso de abertura do evento: “Caros líderes, todos aqui falamos o que faremos em 2050 0u 2060, mas metade da população do mundo tem menos de 30 anos, enquanto a média de idade das pessoas presentes a este encontro é de mais de 60 anos”. Os sete últimos anos foram os mais quentes já registrados.

É duro, mas é verdade: a geração anterior quer legar a vocês, jovens, a responsabilidade de salvar um mundo em frangalhos para a próxima – se ainda der tempo. Como generais que mandam garotos para a guerra. Enquanto eles aproveitam o fim de festa, vocês herdam o rabo de foguete. “Estamos a um minuto da meia-noite e precisamos agir mais. Se não fizermos nada hoje, será muito tarde para os nossos filhos fazerem algo no futuro. Se não formos sérios a respeito da mudança climática hoje, será tarde demais para nossos filhos fazê-lo amanhã”, acrescentou Johnson, dando uma dimensão ainda mais exata do tamanho do problema. Ele terá 96 anos em 2060.

O presidente do Brasil, que tem 64 anos, preferiu não ir a Glasgow. Na abertura da COP, o país foi  representado por uma jovem indígena de Rondônia, que se apresentou assim: “Meu nome é Txai Suruí, eu tenho só 24, mas meu povo vive há pelo menos 6 mil anos na Floresta Amazônica. Meu pai, o grande cacique Almir Suruí, me ensinou que devemos ouvir as estrelas, a Lua, o vento, os animais e as árvores. Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”.

Por trás de sua aparente calma, os indígenas têm a exata noção da urgência da situação; quando também são jovens, têm menos travas na língua. “Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora!”, emendou Txai. Relembrando a primeira vez que viu a fumaça dos incêndios na Austrália chegarem ao seu território ancestral, a neozelandesa India Logan-Riley, do povo Maori, discursou no mesmo microfone usado pela brasileira e Boris Johnson: “Naquele momento, nossa vida foi afetada pelos impactos da mudança do clima em outro país”. Vanessa Nakate, jovem ativista de Uganda, lembrou que quem menos polui, paga mais caro: “Historicamente, a África é responsável por apenas 3% das emissões globais e ainda assim os africanos estão sofrendo alguns dos impactos mais brutais da crise climática”.

É um sentimento global, que não é exclusivo dos povos tradicionais: “São 30 anos de blá-blá-blá”, discursou em Milão, na Itália, a ativista sueca Greta Thunberg, para um grupo de 400 jovens de 200 países. Eles foram selecionados pela ONU para elaborarem um documento dirigido aos líderes mundiais, em evento paralelo à COP. O Fridays For Future, movimento inspirado em Greta, promoveu sua já tradicional passeata em Glasgow. Os jovens também eram a maioria entre as mais de 100 mil pessoas que enfrentaram o frio, o vento e a chuva para protestar contra a inércia dos governantes na Marcha pela Justica Climática, que aconteceu no sábado (6/11) na cidade escocesa. Não esperamos meias-palavras. Mais jovem também pode significar mais verde.

O governo brasileiro continua agindo como o comerciante espertalhão que dobra o valor da mercadoria para vendê-la pela metade do preço no dia da liquidação. Tropeçou na pedalada climática, mas se bobear a ausência do presidente acabou sendo benéfica para o país, que assinou importantes acordos multilaterais – o de zerar o desmatamento até 2030 e o de reduzir em 30% as emissões de metano, via pecuária, também até 2030 –, que ao menos servirão de âncoras até a próxima rodada de negociações. Também serviu para abrir novos canais de interlocução; na falta de Bolsonaro, o príncipe Charles marcou encontro com governadores brasileiros, por exemplo.

O presidente parece viver no mundo das mil e uma noites, enquanto o Reino Unido está entre os países que acreditam que poderão lucrar com a transição energética – sim, eles não fazem isso só porque são bonzinhos. O famoso biólogo americano Thomas Lovejoy, que criou o termo “biodiversidade”, dizia em 2016 que o Brasil poderia ser “a maior potência ambiental do planeta”. O cientista se dizia impressionado com o que o país havia feito nos 40 anos que o conhecia: “Existia apenas uma floresta nacional. Hoje, 57% da Amazônia está sob algum tipo de proteção”, dizia ele. De lá para cá, porém, o desmatamento vem crescendo em ritmo vertiginoso – a ponto de fazer o país seguir na direção inversa do resto do mundo, aumentando suas emissões de CO₂ durante a pandemia. Em nome de que estão abrindo mão de garantir um futuro melhor para as novas gerações? Por que o jovem brasileiro vai pagar esse pato?

Preservar as florestas tem custado muitas vidas também. Segundo o mais recente relatório da ONG Global Witness, nunca tantos ativistas ambientais foram assassinados como no ano passado: 228. Segundo o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2020, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os assassinatos entre indígenas no país cresceram 61%: foram registrados 182. Em debate realizado em Gasglow na quinta-feira (4/11), Juma Xipaia, uma das lideranças indígenas que lutaram contra a hidrelétrica de Belo Monte no Pará, foi firme: “Nunca nenhum povo indígena chegou impondo ou destruindo o lar de vocês, pelo contrário, nós defendemos o lar, a vida. Então respeitem a nossa existência”. Txai Suruí deu um exemplo concreto: “Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza”. Ari tinha só 32 anos e foi encontrado morto em 18 de abril de 2020.

Os povos tradicionais de todo o mundo cuidam de 80% da biodiversidade da Terra, mas só controlam 1% do orçamento global para a preservação. Ao menos esta distorção começou a ser corrigida nesta COP. Reino Unido, Noruega, Alemanha, EUA, Holanda e 17 doadores americanos se comprometeram em criar um fundo de US$ 1,7 bilhão até 2025 a ser administrado por indígenas. “É o princípio da proteção ao nosso povo, mas ele precisa de mais apoio. Não há solução para os problemas da natureza sem que os indígenas estejam no centro”, disse a ativista filipina Vitória Tauli-Corpuz, do povo Kankana-ey Igorot, ex-relatora especial da ONU para os direitos dos povos indígenas. Este é o ponto: é preciso que eles decidam. Para isso, precisam de toda ajuda possível. A Amazônia é importante para o mundo, mas é ainda mais importante para o Brasil. Sem ela não tem chuva, nem agricultura. É um tesouro que nos pertence e devemos deixar para as próximas gerações.

 

* Na foto: Juma Xipaia, Txai Suruí, Maria Gadu e Alice Pataxó. Crédito: Alice Pataxó.

 

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