O artigo abaixo convida a refletir sobre os termos cada vez mais usados em discursos político-econômicos: “minerais críticos” e “minerais estratégicos”. Mais do que simples classificações técnicas, essas expressões escondem ambiguidades que revelam disputas de interesse — seja na economia, na geopolítica ou na indústria. No Brasil, essa narrativa tem sido utilizada para flexibilizar licenciamentos ambientais, conceder benefícios fiscais e justificar a priorização do setor mineral sob o argumento da transição energética e da soberania nacional. O texto publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil, em 16 de setembro de 2025, amplia o debate sobre os impactos sociais e ambientais dessa retórica e seus riscos para o futuro.
Me chame pelo meu nome: a falácia dos “minerais estratégicos”
Os termos “minerais críticos” ou “minerais estratégicos” são, na verdade, vazios de significado, uma vez que não dizem qual seria a estratégia ou o motivo da criticidade. Agora, sob uma nova roupagem de combate às mudanças climáticas, que oculta outros usos menos defensáveis, o setor mineral vem conseguindo que diferentes instituições concedam mais do que ele sempre teve: facilidades para o licenciamento ambiental e favorecimentos tributários
Por Bruno Milanez*
Desde o início do governo Lula, tem crescido a narrativa da “quase necessidade” de o Brasil ampliar a extração dos chamados minerais “críticos” ou “estratégicos”, como se disso dependesse a solução da crise climática. Em um país que nos últimos dez anos enfrentou três dos piores desastres envolvendo a mineração (Samarco no Rio Doce em 2015, Braskem em Maceió em 2018 e Vale no Rio Paraopeba em 2019), ver o setor ser promovido de pária a campeão nacional nesse intervalo consiste em um dos maiores casos de sucesso de rebranding do mundo corporativo. Algo digno de deixar o agro verde de inveja.
Antes de analisar o contexto nacional, é importante entender alguns pontos sobre o conceito de minerais “críticos” ou “estratégicos”. Esses termos não são novos; eles foram, inicialmente, usados na década de 1930 pelos Estados Unidos, quando foi criada a Lei de Estoque de Materiais Críticos e Estratégicos, definindo os materiais necessários para, entre outras coisas, garantir seu abastecimento militar. A própria Otan possui uma lista de “materiais críticos para defesa”. O uso dessas expressões no contexto climático é mais recente: pelos Estados Unidos em 2010, pela União Europeia em 2011, pelo Brasil em 2014.
A classificação de “crítico” ou “estratégico”, porém, não é baseada em critérios técnicos e objetivos, e as diferentes listas existentes variam dependendo do contexto. Como discutido por Erika Machacek, pesquisadora na Universidade de Viena, a definição sobre a criticidade de um mineral é uma ferramenta de operacionalização política, com efeitos distributivos. Ela é política porque, na perspectiva dos países consumidores, depende (1) da importância dos minerais para equipamentos de guerra e para a economia; e (2) da dificuldade de acesso. O acesso, por sua vez, está ligado à disponibilidade no subsolo do país em questão ou de seus aliados.
Por outro lado, ela é distributiva, porque tem a capacidade de beneficiar grupos específicos, enquanto prejudica outros. Materiais, atividades ou projetos definidos como “críticos” ou “estratégicos” tendem a ganhar prioridade sobre aqueles que não são classificados como tal.
Um segundo aspecto que deve ser questionado é a associação direta entre minerais “críticos” ou “estratégicos” e o combate às mudanças climáticas. A mineração se enquadra no que o antropólogo Stuart Kirsch chama de “indústria do dano”, que caracteriza setores econômicos cuja atuação necessariamente gera impactos negativos ao ambiente ou à saúde das pessoas. Por causa dessa característica, as mineradoras precisam criar narrativas de legitimação.
Assim, a construção da conexão entre mineração e redução do uso de combustíveis fósseis acaba sendo um caso típico de “maquiagem climática”. Essa é uma prática pela qual empresas exageram ou deturpam seu papel ou desempenho na questão climática. Afinal, afirmar que a extração de um mineral servirá para evitar a destruição do mundo gera uma imagem mais positiva do que reconhecer que ele será usado na fabricação de mísseis e aviões de guerra.
Na verdade, o uso bélico dos chamados minerais “estratégicos” vem ganhando cada vez mais destaque, dada a nova corrida armamentista, intensiva em equipamentos de alta tecnologia. Por exemplo, o lítio é usado nas baterias de munições autoguiadas, ligas de nióbio são necessárias para a produção de mísseis hipersônicos e terras raras entram na fabricação de drones militares e sistemas de radar. Como comentou a jornalista Cat Rainsford, embora o uso bélico não seja o maior demandante de minerais “críticos” dos Estados Unidos, sob o governo Trump, ele seria o argumento-chave para definir criticidade. Afinal, não se pode imaginar que o seu interesse nos minerais da Groenlândia, da Ucrânia ou, eventualmente, do Brasil, seja para produzir aerogeradores ou carros elétricos.
Trazendo a discussão para a realidade brasileira, o que vemos é que o principal efeito da narrativa dos minerais “estratégicos”, tem sido a construção de um discurso de excepcionalidade da extração mineral. Para construir essa narrativa, o setor construiu, inclusive, a categoria “Minerais Críticos e Estratégicos (MCE)”. Por meio dessa redundância, ele tenta enfatizar a alegada relevância da extração mineral. Tal nomenclatura se mostra crucial, especialmente quando as empresas procuram tomar territórios onde ocorrem usos de interesse social ou utilidade pública, como terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação e assentamentos rurais. Por mais que esses usos sejam, de fato, estratégicos para qualquer projeto de desenvolvimento de nação, raramente são denominados assim.
Por esse motivo, existe um risco em se naturalizar termos como “minerais críticos” ou “minerais estratégicos”, pois eles reforçam a narrativa de uma suposta prioridade do setor. Esses termos são, na verdade, vazios de significado, uma vez que não dizem qual seria a estratégia ou o motivo da criticidade. Assim, um nome mais adequado e didático seria Minerais para Armamentos, Tecnologias e Expansão Energética (MATEEs).
Do ponto de vista normativo, essa excepcionalidade foi iniciada por meio da “Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos” (Pró-Minerais Estratégicos), criada por um decreto de Jair Bolsonaro. Essa política usa critérios vagos para definir o que seriam minerais “estratégicos”, tais como “necessários para setores vitais da economia”, “relevantes para produtos e processos de alta tecnologia”, ou ainda, “essenciais pela geração de superávit comercial”. Esse último, por sinal, permitiu a inclusão de minerais que pouco se relacionam com combate às mudanças climáticas, como minério de ferro e ouro.
Na verdade, o modelo mineral brasileiro, historicamente baseado na extração para a exportação, sugere que essa política reforça o processo de “neocommoditização” da economia nacional. Esses minerais, assim como o “hidrogênio verde”, o combustível “sustentável” de aviação e os dados a serem processados pelos data centers, fazem parte de uma nova plataforma de exportação de produtos e serviços intensivos em recursos naturais e energia, que servirá a setores de tecnologia em outros países.
Desde a experiência do Projeto Grande Carajás, nos anos 1980, passando pelo super ciclo das commodities nos anos 2000, até hoje, todas as manifestações associadas à mineração têm sido apresentadas junto a promessas de industrialização e “redenção” do Brasil de seu papel de exportador de matéria prima. Todavia, as evidências mostram que elas, na verdade, não passam de discurso. Para citar alguns exemplos.
● Apesar de cerca de 50% do cobre extraído no Brasil vir do projeto Salobo da Vale, em operação desde 2012 no Pará, o país ainda não possui tecnologia para refiná-lo. Como consequência, a maior parte desse mineral não é aproveitada pela indústria nacional e acaba sendo exportada na forma de concentrado, o primeiro estágio do beneficiamento.
● No caso do lítio, a extração se iniciou nos anos 1950 e, em 1997, um decreto obrigou as empresas a investirem em desenvolvimento tecnológico (o decreto foi revogado por Bolsonaro em 2022). Depois de quase trinta anos dessa obrigação, o Brasil ainda exporta quase 90% do lítio na forma de concentrado.
● Com relação ao nióbio, o país possui o quase monopólio das reservas mundiais. Mesmo assim, mais de 90% das exportações desse mineral são na forma de ligas de ferro-nióbio, um produto menos sofisticado do que, por exemplo, nióbio metálico e óxido de nióbio, usados por setores tecnológicos.
No Brasil, o principal resultado da construção da excepcionalidade do setor mineral tem sido o tratamento diferenciado no licenciamento ambiental e sistemas tributários mais favoráveis. O Pró-minerais Estratégicos, por exemplo, permite que empresas que estejam enfrentando dificuldade em seu licenciamento se inscrevam no programa e, caso atendam aos critérios, consigam que a Secretaria de Parcerias de Investimento do Ministério da Economia “preste apoio” ao licenciamento. Dessa forma, fica evidente que a política não tem nada de “estratégica”, pois a inserção no programa depende da iniciativa das empresas. Em setembro de 2025, havia dezenove projetos habilitados junto ao programa, todos enfrentando dificuldades junto a órgãos como Funai, Incra, ICMBio ou Iphan.
Com a eleição de Lula, em seu novo papel de “defensor do meio ambiente”, houve a expectativa de que tal programa seria revisto. Afinal, em seu relatório, a Comissão de Transição afirmou que: “trata-se de um ato que, a pretexto de estimular o setor de exploração mineral ou implementar um suposto processo de desburocratização, busca, na verdade, promover uma transgressão velada das normas de licenciamento ambiental aplicadas às atividades de exploração mineral, elegendo projetos de forma discricionária e que teriam prioridade máxima na tramitação do licenciamento”.
Todavia, após a mudança de governo, a narrativa em torno dos MATEEs se fortaleceu e o seu “canto da sereia” capturou todos os três poderes.
No Legislativo, foi apresentado pelo deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG) o PL 2.780/2024, que garante, em lei, o tratamento de excepcionalidade criado pelo Pró-Minerais Estratégicos. Por um lado, ele mantém a ideia de um licenciamento ambiental diferenciado, por meio da criação de “programas de apoio ao licenciamento ambiental”. Por outro, prevê conceder às mineradoras os benefícios previstos na Lei nº 11.196/2005 voltados para empresas que investem em inovação tecnológica. Dessa forma, ele amplia a exoneração fiscal de um setor que já é beneficiado pela isenção de ICMS para exportação, graças à Lei Kandir, e pela redução de 75% do imposto de renda dos projetos localizados na Amazônia, a principal fronteira mineral do país.
Do ponto de vista do Executivo, em fevereiro de 2024, o Ministério de Minas e Energia anunciou a elaboração do “Programa Mineração para Energia Limpa”. Desde então, as discussões vêm ocorrendo sem abertura para um debate verdadeiramente participativo.
Outra iniciativa, ainda no campo das expectativas, foi, a partir da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, a assinatura da Medida Provisória 1.308/2025, que criou um “procedimento especial” para o licenciamento ambiental de “empreendimentos estratégicos”. Esta MP limita em doze meses o período de análises dos processos de licenciamento, independentemente de sua complexidade técnica ou dano ambiental. Não está claro, ainda, quantos projetos de extração de “minerais estratégicos” serão beneficiados por esse procedimento especial. Apesar disso, vale lembrar que essa não é uma proposta nova e foi testada em Minas Gerais na figura dos “Projetos Prioritários”. Tal recurso foi usado para agilizar o licenciamento da barragem da Vale em Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Um apoio mais concreto ao setor foi dado pelo BNDES, que criou, em parceria com a Vale, o Fundo de Investimento em Participações no Setor de Mineração, com o intuito de financiar projetos de pesquisa, implantação ou operação de extração de minerais voltados para a “transição energética” ou “fertilização do solo”. O banco ainda utilizou recursos do Fundo Clima para apoiar com R$ 480 milhões a expansão da mineradora Sigma Lithium, apesar de todos os conflitos territoriais causados por suas operações no Vale do Jequitinhonha.
As iniciativas para favorecer os MATEEs têm sido tão bem articuladas que até o Judiciário se envolveu. Ainda em 2025, como fruto da “Câmara de Conciliação” no STF em torno do “marco temporal” da demarcação de terras indígenas, o ministro Gilmar Mendes, em uma manobra pouco usual, apresentou uma proposta de anteprojeto de lei, que permitiria a mineração em terras indígenas. O documento definia como sendo de “relevante interesse público da União” a “exploração de recursos minerais estratégicos”. A inclusão da mineração na discussão sobre o “marco temporal” foi consequência de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 86), apresentada pelo Partido Progressistas. O PP era representado na “Câmara de Conciliação” por Luís Inácio Adams, advogado da mineradora Brazil Potash e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, fundado por Gilmar Mendes.
No final de julho de 2025, o setor mineral pôde acrescentar mais um item à construção da excepcionalidade dos MATEEs. Dentro do contexto do “tarifaço” de Donald Trump, o encarregado de negócios da embaixada estadunidense mencionou o interesse do seu país em um acordo comercial envolvendo alguns desses minerais. A partir desse evento foi criada uma nova narrativa sobre o seu papel na “soberania nacional”.
Em um discurso ufanista, possivelmente inspirado no “O petróleo é nosso”, Lula afirmou, em agosto, que “ninguém vai colocar o dedo nos nossos minerais críticos e terras raras”. O presidente ainda anunciou a criação de um Grupo de Trabalho para tratar da exploração dos MATEEs.
O mesmo sentimento de emergência nacionalista foi transferido para o Congresso. O deputado federal Patrus Ananias (PT/MG) propôs o PL 3699/2025, que estabelece que a extração desses minerais deve obedecer às diretrizes de uma suposta “soberania mineral”. O PL, ainda cria a proibição (inócua) da participação de empresas estrangeiras na exploração dos MATEEs. O deputado, aparentemente, se esqueceu que a Vale (uma das campeãs nacionais do Lula 2) foi criada para atender quase que exclusivamente o mercado internacional e, desde então, tem feito prioritariamente isso. Um mês depois, em setembro, o deputado Zé Silva requereu regime de urgência para o seu PL, em um movimento semelhante ao que ocorreu em 2013, quando o governo tentou impor a mesma urgência à sua proposta de alteração do Código Mineral, reduzindo as oportunidades do debate democrático e participativo.
Em resumo, sob uma nova roupagem de combate às mudanças climáticas, que oculta outros usos menos defensáveis, o setor mineral vem conseguindo que diferentes instituições concedam mais do que ele sempre teve: facilidades para o licenciamento ambiental e favorecimentos tributários. Porém, o aprofundamento dessas políticas, muito provavelmente, irá produzir o que já é visto em todas as regiões mineradas: dependência econômica de uma atividade volátil e finita, concentração de renda, geração de empregos precários e extensa degradação ambiental.
O Brasil precisa repensar e questionar o papel da mineração em seu desenvolvimento e superar essa idealização e dependência, que se intensifica desde dos anos 2000. Apenas estimular a extração ampliando incentivos tributários e reduzindo o rigor ambiental dificilmente gerará qualquer tipo de progresso genuíno. Existem diferentes e criativas alternativas propostas por movimentos sociais, organizações não governamentais e comunidades atingidas, mas elas raramente são consideradas. Enfim, fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes não é a melhor forma de se elaborar políticas públicas.
*Bruno Milanez é engenheiro de produção e doutor em Política Ambiental. Professor da Faculdade de Engenharia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).