Marco Temporal não valeu nem mesmo ao caso Raposa Serra do Sol

agosto 2017

Por Rafael Modesto dos Santos, Adelar Cupsinski e Vanessa Araújo, assessoria judídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

A história dos povos indígenas do Brasil não começou e 1988 e tampouco em 2012. O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento do emblemático caso da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol naquele ano, consagrando os direitos originários dos povos indígenas sobre toda a extensão da área declarada como indígena pelo Ministério da Justiça em 2005, e homologada pela presidência da República. A discussão pautada na Petição 3388/RR era se a demarcação deveria ser validada em “ilhas” ou “de forma contínua”; ou seja, se as áreas na posse de não indígenas deveriam constar da área demarcada, ou não. Prevaleceu a segunda interpretação, levando à nulidade de todas as posses não indígenas no interior da TI, conforme determina o parágrafo sexto do artigo 231 da Constituição. Na memorável decisão, aparece um tanto deslocada, e pela primeira vez, a tese do marco temporal, segundo a qual os indígenas de Raposa Serra do Sol somente teriam direito à demarcação das áreas que estivessem sob sua posse na data da promulgação da Constituição de 1988. Ou seja, em 5 de outubro daquele ano.

Com a perspectiva do julgamento de três casos no plenário do STF no dia 16 de agosto, envolvendo a demarcação de TIs, a discussão sobre o marco temporal ressurge. A tese é vista por setores interessados como ferramenta para inviabilizar futuras demarcações. O julgado da Petição 3388/RR confirmou que a aplicação daquela decisão, e, portanto, das suas teses, ficaria restrita àquele caso. Apesar disso, em 2015 a Segunda Turma do STF aplicou o marco temporal em dois casos específicos, contrariando decisão do Pleno da Corte Constitucional. Essas decisões da Segunda Turma foram apresentadas como uma continuidade da aplicação precedente do marco temporal no caso Raposa.

Porém, o marco temporal não foi aplicado nem mesmo naquele caso, já que os índios não estavam na posse de grande parte daquele território em 5 de outubro de 1988. Na área demarcada de forma contínua em Roraima, havia posses não indígenas datadas do início do século XX, que foram anuladas pelo STF pela incidência do parágrafo sexto do artigo 231 da Constituição, que reconhece a nulidade de todo e qualquer título incidente sobre as terras dos povos originários. É o caso da titulação da Fazenda Guanabara, cuja posse data de 1918 e foi anulada.

É impossível falar na aplicação do parágrafo sexto do artigo 231 e ao mesmo tempo do marco temporal: são perspectivas mutuamente excludentes. Como afirma o ministro Luís Roberto Barroso nos embargos declaratórios do caso Raposa, “ainda que algumas áreas abrangidas pela demarcação sejam ocupadas por não índios há muitas décadas, estando situadas em terras de posse indígena, o direito de seus ocupantes não poderá prevalecer sobre o direito dos índios”. Isso significa que o marco temporal não seria aplicável nem mesmo naquele caso, quanto mais em casos similares. Os julgados do STF têm servido para consolidar direitos dos povos originários. É também o que se espera no julgamento das ações referentes à TI Ventarra, ao Parque Nacional do Xingu e às reservas Nambikwara e Parecis, em 16 de agosto.

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