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Evidências

janeiro 2019

Negando as aparências, disfarçando as evidências, Bolsonaro se apresentou ao mundo. Em sua primeira viagem internacional, o presidente discursou no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Como a eloquência não é seu forte, fez um discurso relâmpago. Porém, mesmo falando pouco, exagerou um bocado: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós”, disse ele. É um Brasil que só existe de sua boca para fora: hoje, somos campeões em desmatamento e na lista de países com maior percentual de áreas protegidas estamos no 52º lugar. Ah, e a Rússia tem uma área do tamanho do território brasileiro em florestas.

O mundo mudou e a economia global não pode mais se pautar pelo lucro inconsequente. Para a maioria das nações do planeta, as mudanças climáticas não são “dogma marxista”, como disse seu ministro das Relações Exteriores, mas uma ameaça séria e real a ser combatida. Também reconhecerem que a atividade humana é uma de suas causas principais e a importância dos povos indígenas na preservação das florestas e, consequentemente, para o equilíbrio climático da Terra. Países que não tomarem o caminho do desenvolvimento sustentável e que desrespeitarem os direitos de seus cidadãos podem sofrer sanções severas. E a comunidade internacional não cai em conversa pra boi dormir: é preciso apresentar resultados.

Não à toa, o presidente que antes falava que extinguiria o Ministério do Meio Ambiente foi obrigado a dizer que “nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis” em seus seis minutos de fama. Além disso, resolveu recuar em outra decisão precipitada e disse que deve manter, “por ora”, o Brasil no Acordo de Paris. Quem sabe o presidente não tenha ido almoçar sozinho antes da cerimônia para refletir? Mas Bolsonaro ainda precisa afinar o seu discurso às leis do país. Nós temos uma Constituição e, diferentemente de muita gente por aí, os povos indígenas sabem usá-la.

O Artigo 231 diz claramente que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” e que “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”. Mexer com a Constituição é mais difícil; só que ao retirar da Funai a atribuição de examinar pedidos de licenciamento ambiental a empreendimentos que afetem terras indígenas, o presidente criou uma gambiarra que pode atingir o direito à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Bolsonaro recuou na decisão de rever a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; mas ao transferir do órgão indigenista oficial do Estado para o Ministério da Agricultura a função de demarcar terras indígenas, praticamente vai inviabilizar novos processos, já que a pasta é dominada por ruralistas.

Os indígenas, que conhecem seus direitos, estão se mexendo: entraram com diversas ações no Ministério Público Federal contra a medida. A última, foi no Amazonas, onde sete organizações locais se uniram e abriram uma representação. Outra gambiarra criada sob medida para os ruralistas é o decreto que facilita a posse de armas em regiões rurais. O resultado já pode ser mensurado: segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), pelo menos seis terras indígenas foram invadidas ou estão sendo ameaçadas de invasão desde o início de 2019. É assim que “vamos investir pesado na segurança para que vocês nos visitem com suas famílias (…) Conheçam a nossa Amazônia, nossas praias, nossas cidades e nosso Pantanal”, como disse em outro trecho de seu discurso? Bolsonaro podia sair para almoçar sozinho novamente para refletir mais um pouco.

Saiba mais:

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Leia a íntegra do discurso de Jair Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial em Davos (com comentários da Folha de S. Paulo)

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