Dias de luta sem cessar: são quase 190 mil, desde que os europeus aqui chegaram, há 518 anos. Mas a semana do 15º Acampamento Terra Livre entrou para a história de resistência dos povos indígenas brasileiros. E em dose dupla. Além de ter sido a maior edição do evento, com cerca de 4,5 mil representantes de todas as regiões do país, nela foi tomada uma resolução que já pode ser considerada um marco: a de articular a eleição uma bancada própria e pluripartidária no Congresso Nacional, capaz de fazer frente às ameaças aos seus direitos, que vêm do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Esses direitos, conquistados a duras penas na Constituição de 1988 e garantidos por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho), nunca estiveram tão ameaçados como nos últimos anos.
Há mais de três décadas os povos indígenas não têm voz própria em Brasília – desde o fim do mandato do cacique xavante Mário Juruna (1943-2002), que os representou na Câmara dos Deputados de 1983 a 1987. Juruna foi um exemplo de como deve agir um parlamentar ao denunciar uma tentativa de suborno. O objetivo agora é eleger ao menos um parlamentar por estado na próxima eleição, e terão um cabo-eleitoral para propagar essa ideia: Sonia Bone Guajajara, ex-coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), primeira indígena pré-candidata à vice-Presidência do país. E essa decisão não é importante somente para eles, mas para todos que se preocupam com a preservação do meio ambiente e o futuro do planeta. Por isso, desde já todo apoio à bancada indígena!
Unificar as lutas: cada povo tem a sua demanda específica, mas a estratégia escolhida nesta decisão foi buscar um foco, e a retomada das demarcações foi o escolhido. Porque, não bastassem os ataques vindos da bancada ruralista – que, não custa repetir, ocupa desproporcionais 40% das cadeiras do Congresso Nacional – o presidente Temer pediu à Advocacia-Geral da União um parecer que pode inviabilizar futuras homologações, lançando mão do famigerado “marco temporal”. Segundo esse dispositivo, considerado inconstitucional por juristas de renome como Dalmo Dallari e José Afonso da Silva, só teriam direito à posse de suas terras aqueles povos que as estivessem ocupando até a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), mesmo que dela tivessem sido expulsos com o uso de violência.
Além disso, Temer cedeu às pressões dos ruralistas, sua base de sustentação no Congresso, e nomeou um novo presidente para a Funai – o terceiro de seu curto mandato –, mais alinhado aos interesses do agronegócio. Não à toa, a grande manifestação do ATL este ano foi uma grande marcha até o Ministério da Justiça, ao qual a fundação é subordinada. E este dia marcou outra grande vitória: a Justiça Federal reconheceu direito dos índios Myky e Manoki às suas terras, contrariando o parecer da AGU. Pode ter sido aberto um precedente, como o que favoreceu os quilombolas na mesma questão, em fevereiro. Demarcação de Terras Indígenas tem sido sinônimo de florestas e rios preservados. Logo, essa conquista é de todos nós!
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