Querem criminalizar a natureza

Querem criminalizar a natureza

Neste verão, um padrão vem se repetindo por todo o país: tempestades intensas transformam as ruas das capitais em corredeiras de esgoto e lixo, trazendo doenças e destruindo casas. Foi assim em Vitória no dia 22 de janeiro, em Belo Horizonte, no dia 28, em Fortaleza e em Campo Grande no dia 31. Em fevereiro, Rio de Janeiro e São Paulo se transformaram em um cenário de destruição. Mas, afinal, o que explica tantas cidades sofrendo de forma tão parecida e sincrônica?

Na mensagem ao Congresso, enviada no dia 3 de janeiro para a cerimônia de abertura do ano legislativo, o governo federal afirma que a maioria dos desastres recentes está relacionada às “instabilidades atmosféricas”, que provocam desde vendavais até alagamentos. De fato, cientistas alertam há anos que as mudanças climáticas estão aumentando a quantidade e a intensidade das tempestades e dos furacões. No entanto, essa é só uma parte da mensagem. Há de se lembrar que estas alterações do clima são o efeito colateral da poluição gerada por um modo de vida e de crescimento insustentáveis, que tratam a natureza como barreira ao desenvolvimento.

Não adianta tentar culpar a natureza. Vivemos, sim, uma situação de emergência climática, mas este tipo de desastre – cada vez mais recorrente, diga-se de passagem – é provocado pelo ser humano. O ambientalista e professor da faculdade de Medicina da UFMG Apolo Heringer Lisboa explica por que não se deve “criminalizar” o meio ambiente: “A chuva foi muito forte, mas não foi ela que causou isso, não. O que ela fez foi expor a fragilidade da concepção da gestão das águas e como o poder público está a serviço da indústria das enchentes, dessas empreiteiras que só sabem impermeabilizar o solo e canalizar os rios”.

Todas estas cidades cresceram sobrepujando seus mananciais. Em vez de um desenvolvimento que tratasse o meio ambiente como fator de agregação à qualidade de vida, as capitais brasileiras cresceram sem que seus gestores respeitassem as matas e os córregos de seus territórios. A história se repete de sul a norte: governo após governo, correntes livres de água pura se transformaram em canais cimentados e poluídos, não raro sufocados abaixo do asfalto.

Com a chegada da indústria automobilística ao país, na década de 1960, este processo se intensificou, explica Alessandro Borsagli, geógrafo e autor do livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira. “Os cursos d’água, nesse novo planejamento rodoviarista, entraram em rota de colisão com a cidade, eram vistos como entraves para o desenvolvimento regular da cidade”, conta o especialista ao jornal O Estado de Minas.

Sessenta anos depois, os sinais de mudança na gestão hídrica foram poucos e, caso permaneça assim, os alagamentos tendem a piorar. É o que prevê desde 2016 o estudo Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas do Município de Belo Horizonte. O relatório indica que haverá intensificação de eventos como inundações, ondas de calor e deslizamentos. Segundo o documento, 42% dos bairros da capital já se encontram em situação de alta vulnerabilidade e, se medidas não forem tomadas, essa taxa pode chegar a 68% até 2030. E o ano de 2020 já é prova disso: no dia 3 de fevereiro a cidade mal terminava de se recuperar da última chuva quando a Defesa Civil lançou novo alerta sobre o risco de tempestades em toda a primeira semana do mês.

Governantes podem até aderir ao negacionismo, fingir não ver as evidências de que o mundo passa por uma emergência climática, ou mesmo repetir exaustivamente que as tempestades não são consequência ação do homem. Ainda assim – tal e qual os rios abafados sob o asfalto nas capitais brasileiras – a verdade virá à tona de forma avassaladora.

Para evitar novas enchentes, é necessário encarar a crise climática de frente: como um fato e uma questão de Estado. A solução é aliar o conhecimento ancestral dos povos tradicionais à tecnologia urbana do século XXI: respeitar os rios como um indígena e criar soluções como um cientista.

Bons exemplos já estão há um tempo por aí. O caso pioneiro é do rio Tâmisa, que começou a ser revitalizado na década de 1950. Na época, era conhecido como “O Grande Mau Cheiro” e em seu entorno eram comuns epidemias de cólera. Um sistema de captação de esgoto foi construído em 1958 e é constantemente ampliado até hoje. De segunda a sexta, dois barcos recolhem o lixo através de grades instaladas na proa e por esteiras que varrem o leito do rio. Câmeras de vídeo, radares e sonares informam a localização dos detritos. Como resultado, o rio, antes considerado biologicamente morto, hoje é a casa de 121 espécies de peixes e mais de 400 espécies de invertebrados.

Em Seul, o rio Cheonggyecheon era um córrego poluído até 2005. Hoje é um ponto disputado entre turistas que buscam um refresco. Já o rio Tejo, em Lisboa, começou a ser despoluído em 2000. Como resultado, os golfinhos voltaram a saltar nas águas do rio europeu. Em nome de que o Brasil, país com a maior concentração de água doce do mundo, se mantém fora desta lista?

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Brumadinho 1 ano

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Quando a barragem da Mina do Feijão se rompeu, no dia 25 de janeiro de 2019, um mar de lama sobrepujou o córrego do Feijão. O que antes era um riacho delicado de água cristalina se tornou uma perigosa corrente de substâncias tóxicas que desviou de curso até se misturar às águas do rio Paraopeba, logo abaixo, contaminando tudo em que tocava. Um ano depois, a natureza mostra seu poder de reconstrução: na nascente do córrego do Feijão ainda brota água pura. O rio, assim como a população afetada, resiste e se regenera de gota em gota.

O córrego do Feijão nasce dois quilômetros acima da barragem que levava seu nome. Espremida entre três grandes focos de exploração minerária (a Mina do Feijão, a Mina de Jangada, e a Mineração Ibirité), a propriedade privada Fazenda Índia guarda o nascedouro do riacho a sete chaves – literalmente, eles fecharam as portas após o rompimento, assim como a maioria dos empreendimentos da região, pela dificuldade de acesso ao local. Escondida por trás das trancas, a nascente segue trabalhando.

A população de Brumadinho também segue, um passo de cada vez. Para marcar um ano do crime ambiental, entre os dias 20 e 25 de janeiro deste ano mais de 350 pessoas atravessaram a pé, juntas, a bacia do rio Paraopeba. Na jornada intitulada “A Vale Destrói, o Povo Constrói”, percorreram cerca de 300 quilômetros para evidenciar o trabalho de recuperação feito majoritariamente pela sociedade civil local e para denunciar o descaso de autoridades e empresas envolvidas. Muitos carregavam faixas onde se lia “o lucro não Vale a vida”, uma das palavras de ordem do movimento social.

A caminhada começou no dia 20 de janeiro na capital Belo Horizonte, mais especificamente em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Ali, denunciaram a paralisação nos auxílios emergenciais, a falta de assessoria técnica, a impunidade da empresa e a ausência de uma política pública que garanta os direitos dessas populações. Juntos, cruzaram a bacia do rio Paraopeba até chegar ao local da barragem.

O percurso impôs desafios, como uma chuva torrencial em Juatuba, a 50km da capital, que inundou a escola onde todos os componentes da jornada estavam pernoitando. Mais uma vez, a solução veio da união: famílias da vizinhança foram ajudar a limpar o colégio e algumas até receberam participantes da marcha em casa.

Foi graças à união que eles atravessaram desde os primeiros dias até hoje. Em grupos, se confortavam uns aos outros, fortalecendo os companheiros. “Nós nos tornamos uma família”, disse à Folha de São Paulo Josiane Melo, que perdeu uma irmã e integra um grupo dedicado a cobrar autoridades a respeito das pessoas que continuam desaparecidas.

Uma rede de solidariedade se formou para mitigar os irreparáveis danos do crime ambiental. Médicos e psicólogos voluntários também se uniram para dar o suporte profissional necessário a essa população. Religiosos estão cedendo até hoje espaço em templos para reuniões de organização do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB). Até mesmo músicos profissionais da região se mobilizaram para contribuir a seu modo: eles organizaram um Concerto da Gratidão, em homenagem a todas as vítimas fatais e aos heróis de Brumadinho.

Quando se fala em crime ambiental, não é exagero. O Ministério Público denunciou 16 pessoas por homicídio doloso e crimes ambientais. No Congresso Nacional se debate uma nova legislação criminal: o ecocídio. O projeto de lei 2787, proposto na Câmara dos Deputados em maio de 2019, pretende transformar em crime desastres ambientais que tenham provocado destruição significativa da flora ou com grande mortandade de animais. Hoje o texto aguarda o retorno das atividades no Senado para seguir tramitação. Espera-se que essa nova legislação possa se refletir em melhores ferramentas para impedir tragédias anunciadas, como essa.

Em frentes distintas, água nova brota. E, gota por gota, a esperança se renova. O povo reconstrói, a natureza também.

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PL 2787/2019

É o presente que está em jogo

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Não se trata de uma gripe de estação e nem de uma previsão para um futuro distante: em estudo divulgado no dia 13 de dezembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o perigo do aumento de doenças ligadas às mudanças climáticas nos próximos dez anos. Não custa lembrar que a última década foi a mais quente jamais registrada e que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) vêm crescendo e já matam mais de sete milhões de pessoas anualmente. E, segundo o recém-divulgado relatório internacional Lancet Countdown 2019, as crianças serão as mais atingidas, com impacto ao longo de suas vidas. Ou seja, o efeito será duradouro. O resultado confirma o que advertia em 2015 a American Academy of Pediatrics (entidade americana que reúne médicos e gestores de políticas de saúde públicas) e a OMS. Naquele ano, as duas instituições estimavam que 88% das doenças causadas pelo desequilíbrio no clima atingiam crianças com menos de 5 anos.

Uma pesquisa da Anistia Internacional feita em dezembro passado apontou que as mudanças climáticas são consideradas o desafio mais sério da atualidade para os jovens. Numa lista de 23 problemas, na qual os entrevistados podiam escolher cinco, elas estiveram presentes em 41% das respostas, ficando à frente da poluição (36%) e do terrorismo (31%). Não à toa, eles têm ido às ruas no mundo inteiro cobrar ações mais firmes das classes governante e empresarial. As crianças, porém, são vítimas inocentes e pouco podem fazer. Cuidar do futuro delas está inteiramente em nossas mãos.

Porém, recentemente a OMS realizou sua primeira avaliação global sobre o problema com mais de 100 países participantes. E a entidade descobriu que, embora cerca de metade deles tenha desenvolvido estratégias para combatê-lo, menos de um em cada cinco está investindo o suficiente para concretizá-las. Os riscos mais comuns são o estresse por calor, ferimentos ou morte causados por eventos climáticos extremos, fome, desnutrição, falta de água e doenças como cólera, dengue ou malária. “A mudança climática não está apenas gerando uma conta para as gerações futuras pagarem, é um preço pelo qual as pessoas estão pagando agora com sua saúde. É imperativo moral que os países apliquem os recursos necessários para agir contra elas”, afirma Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.

O Lancet Countdown é produzido por 120 especialistas de 35 instituições – entre elas, a OMS, o Banco Mundial e a Fundação Oswaldo Cruz. Se as emissões de GEE continuarem no patamar atual, uma criança nascida hoje herdará um planeta em média 4° C mais quente até os seus 71 anos. Isso traria riscos à saúde dela durante todas as fases da vida. “Longas secas, chuvas excessivas e incêndios não controlados estão agravando os efeitos sobre a saúde. Impulsionado em parte pelas mudanças climáticas, o crescimento contínuo da dengue pode tornar-se incontrolável em breve, pois a incidência triplicou desde 2014. Lamentavelmente, o desmatamento está aumentando novamente, assim como o uso de carvão”, diz a médica brasileira Mayara Floss, uma das autoras do relatório.

Ainda de acordo com o Lancet Countdown 2019, quem nasce hoje vai enfrentar uma intensificação descomunal da quantidade de eventos climáticos extremos na idade adulta. Houve um aumento de 220 milhões de pessoas acima de 65 anos expostas a ondas de calor entre 2000 e 2018; entre a 2017 e 2018, a alta foi de 63 milhões. Secas e inundações também vão prejudicar sobremaneira a produção de alimentos. O documento conclui que apenas uma redução anual de no mínimo 7,4% nas emissões de GEE entre 2019 e 2050 poderá limitar o aquecimento global a 1,5 °C, a meta estipulada pelo Acordo de Paris. Isso salvaria a vida de cerca de um milhão de pessoas por ano. Na Índia, a desnutrição já causa 2/3 das mortes de crianças com menos de 5 anos. É o presente que está em jogo.

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O guerreiro da paz

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Se alguém poderia se gabar de ter autoridade no Brasil seria Raoni Metuktire: o cacique Kayapó já foi recebido por reis, papas, primeiros-ministros e presidentes. Aos 89 anos – estimados, pois não se sabe ao certo em que ano nasceu, no vilarejo de Krajmopyjakare, no Mato Grosso – há mais de seis décadas ele vem lutando para que o seu povo reencontre a paz. Sua luta se intensificou a partir do ano passado, quando o governo adotou uma política francamente anti-indigenista – o que o levou concorrer o Prêmio Nobel. A partir de hoje, ele se reúne com 450 representantes de 47 povos na a aldeia Piaraçu, às margens do Rio Xingu, para discutir novas estratégias para defender suas culturas e territórios. O encontro acontece num momento especialmente grave, pois o executivo prepara sua maior ofensiva contra os indígenas: um Projeto de Lei que libera a exploração de minério, gás, petróleo, agropecuária e a construção de hidrelétricas em suas terras.

Raoni conheceu os Irmãos Villas-Bôas em 1954, quando aprendeu a língua portuguesa e começou sua atuação pelos direitos dos povos originários e a preservação da Amazônia. Foi a primeira liderança indígena a ser recebida por um presidente brasileiro, Juscelino Kubitschek, no fim daquela década. Em 1962, encontrou-se com o Rei Leopoldo III da Bélgica – que abdicaria do trono para se dedicar à antropologia e à fotografia – e, a partir daí, sua causa começou a ganhar relevância mundial. Durante a ditadura militar a invasão por grileiros, madeireiros e garimpeiros, começou a se intensificar no Parque Indígena do Xingu, que abriga 16 povos. Outros caciques queriam ir à guerra, mas Raoni buscou o caminho da negociação. Esta história é contada no documentário que leva o seu nome, uma produção franco-belgo-brasileira rodada em 1973. “Raoni” foi apresentado no Festival de Cannes de 1976 e, três anos depois, ganhou uma versão em inglês, com narração de Marlon Brando, que concorreu ao Oscar de melhor documentário.

O cacique também participou ativamente na elaboração do Artigo 231 da Constituição de 1988, que finalmente reconheceu o direito dos povos originários às suas terras. Em 1989, ele partiu para a sua primeira viagem internacional, ao lado do amigo Sting. Já naquela época, Raoni defendia que a preservação da Amazônia era essencial para a sobrevivência da vida no planeta. Durante a turnê, ele esteve com então primeiro-ministro da França, Jacques Chirac, o rei Juan Carlos da Espanha, o Príncipe Charles da Inglaterra e o Papa João Paulo II. Em 1993, conquistou sua primeira grande vitória: o governo brasileiro finalmente homologou o Parque Nacional do Xingu.

Os retrocessos promovidos pelo atual governo fizeram com que o cacique retomasse suas peregrinações, em maio de 2019. Ele esteve com o presidente da França, Emmanuel Macrón, que revelou a intenção de promover este ano em seu país uma cúpula internacional dos povos indígenas. Na mesma viagem, também visitou o Vaticano e foi recebido pelo Papa Francisco. O encontro aconteceu cinco meses antes do Sínodo da Amazônia, a reunião de bispos que pôs a floresta e seus povos no centro das discussões da Igreja Católica, e definiu o conceito de “pecado ecológico”.

Raoni é respeitado no mundo inteiro justamente por não restringir sua luta somente aos direitos de seu povo. Quando ele diz “não destruam o futuro de nossas crianças”, não se refere somente aos curumins Kaiapó. “Já faz um bom tempo que eu falo aos líderes brasileiros: vamos nos respeitar, nos amar, para que todos vivam em paz. Quando viajo para outros países eu levo a minha mensagem, que é para todos os povos se respeitarem”. É um guerreiro em busca da paz.

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Tsunami do bem

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Esqueceram de avisar a Greta Thunberg que uma andorinha não faz verão e em agosto de 2018, quando tinha apenas 15 anos, ela decidiu fazer um protesto solitário pelo clima. A jovem matava aula e ia todos os dias para a frente do Parlamento sueco levando um cartaz onde se lia “Greve escolar pelo clima”. A Suécia tinha acabado de enfrentar uma temporada de ondas de calor e incêndios sem precedentes e ela queria que o país reduzisse suas emissões de CO₂. Hoje, Greta, eleita personalidade do ano de 2019 pela revista “Time”, arrasta milhões de pessoas às ruas de todo o mundo exigindo providências contra as mudanças climáticas. “Ela conseguiu fazer o que muitos de nós tentamos e não conseguimos nos últimos 20 anos”, disse o naturalista inglês David Attenborough.

Também não se sabe quem foram os primeiros nordestinos que, arriscando sua saúde – até crianças –, puseram mãos à obra para limpar as praias da região atingidas por óleo de procedência ainda desconhecida, em outubro passado. Mas, diante da negligência das autoridades, eles foram seguidos por milhares de outros voluntários. Todo início de ano a gente se pergunta o que pode fazer para melhorar o mundo. Em se tratando do meio ambiente, há muitas atitudes individuais que podemos tomar: maneirar no consumo, reciclar, comer menos carne – o rebanho bovino responde por 17% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil –, evitar descartáveis, boicotar empresas poluidoras etc. O canudinho a menos que você usa pode não significar muito, mas se o seu exemplo for seguido por seus amigos, parentes e vizinhos ele pode virar um tsunami do bem.

Vejam outro caso, o de Pat Smith uma senhora inglesa de 70 anos. Ela fez uma promessa na virada do ano: em 2019, ajudaria a limpar as praias britânicas. Pat fundou o grupo Final Straw Cornwall e juntou gente. No fim do ano, tinha limpado 52 – uma por semana. “Tenho a obrigação de proteger nosso planeta e mantê-lo vivo para meus filhos e netos. Vou continuar a fazer tudo o que estiver ao meu alcance!”, garante ela. Como não se contagiar? Precisamos nos juntar em mutirões para meter a mão na massa quando preciso e ir às ruas pedir ações efetivas de governos e empresas, pois nosso mundo está por um triz. Em 2020 a ONU completa 75 anos e elegeu o combate ao aquecimento global como o seu maior desafio. Decisões importantes relativas ao problema vêm sendo proteladas. Este ano isso não será possível, pois o Acordo de Paris entra em vigor para valer.

O ano de 2019 fechou década mais quente já registrada. Foram cinco meses consecutivos de recordes de temperatura batidos no mundo desde e a tendência é piorar. A próxima Conferência do Clima da ONU (COP-26) será realizada em Glasgow, na Escócia, com a missão primordial de ratificar todas as metas do tratado climático, combinadas genericamente em 2015. O problema é que só isso não basta: é quase um consenso de que se as metas não forem revistas, o aquecimento médio do planeta ultrapassará os 3°C – o Acordo de Paris tinha como objetivo ideal 1,5°C. “Em qualquer dia, entre 10 mil e 30 mil incêndios florestais acontecem em algum lugar do planeta. Temos apenas uma única escolha racional: escolher sobreviver. Temos a responsabilidade de deixar um planeta habitável para as gerações futuras”, diz Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma. A nova presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, decretou que a proteção do clima seria uma de suas prioridades. Ela já deu um passo importante: a União Europeia assumiu o compromisso de se tornar neutra em carbono até 2050. Para tanto, é preciso elevar a meta de redução de emissões até 2030, de 40% para pelo menos 50%.

A Amazônia e a Califórnia não arderam em chamas em 2019 por acaso: tanto Brasil como os Estados Unidos são governados por pessoas que não levam a sério o risco que corremos. O mesmo acontece com a Austrália, que está em chamas desde setembro. Mais de 20 pessoas e meio bilhão de animais já morreram – metade da população de coalas, espécie que já corria risco de extinção, foi dizimada – e mais de 1.200 casas e cerca de 63 mil km² de terras, o equivalente à área da Áustria, já foram destruídos pelas chamas. O país produz um terço do carvão consumido no mundo e em entrevista à tevê australiana, a despeito da tragédia, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison disse que não se comprometeria com objetivos de redução de emissões que considera irresponsáveis. Por causa disso, a Austrália pode ser reduzida a cinzas. O que é irresponsabilidade?

Por isso, nós, brasileiros, temos um compromisso importantíssimo em outubro: as eleições municipais. Uma resolução tão importante quanto economizar água e energia ou praticar o consumo consciente, é pensar muito na hora de ir às urnas: pesquisar sobre a trajetória dos candidatos e informar-se sobre os programas de governo de seus partidos antes de escolher quem merece o seu voto de confiança. De andorinha em andorinha se faz um verão, de gota em gota se faz um tsunami ou se enche um oceano, e a cada bom exemplo se constrói um futuro melhor.

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