Como liderar a transição energética com menos metano?

Como liderar a transição energética com menos metano?

O Brasil está prestes a ser o anfitrião da COP30 e tem uma oportunidade única de liderar a transição energética justa. Mas como fazer isso em um país ainda tão dependente do petróleo? Neste artigo, Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, mostra que há um caminho possível, urgente e estratégico: reduzir as emissões de metano no setor de óleo e gás.

Como liderar a transição energética com menos metano?

Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás

Por Henrique Bezerra

Às vésperas de presidir a COP30, o Brasil tem a chance de liderar a frente de transição energética justa, mas vive o impasse: como reduzir a dependência do petróleo? A ciência aponta soluções concretas, que passam por reduzir as emissões de metano na atmosfera. Uma estratégia de curto e médio prazo, que requer celeridade e se fortalece diante do alerta sobre os efeitos da crise climática no derretimento das calotas polares.

Segundo estudo publicado na Communications Earth & Environment, nem a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, limitar o aquecimento a 1,5°C, seria suficiente para evitar o colapso das geleiras. O limite de segurança, segundo os pesquisadores, seria de 1°C ou menos.

Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis

Em entrevista ao programa Cidades e Soluções, do canal GloboNews, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma afirmação corajosa: “temos que, o quanto antes, prescindir do petróleo”. A fala sintetiza um dilema da transição energética no Brasil — como reduzir a dependência de combustíveis fósseis enquanto ainda convivemos com sua presença no sistema produtivo.

Como bem apontou o ministro, ainda não existe tecnologia capaz de usar petróleo sem emissões. Mas há soluções para reduzir significativamente os impactos da produção atual: cortar as emissões de metano no setor de petróleo e gás. O metano é um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO₂ no curto prazo e responsável por cerca de 45% do aquecimento global recente. Ainda assim, o Brasil não possui regulação efetiva para mitigar essas emissões no setor energético.

A boa notícia é que essa lacuna representa uma oportunidade. Com a presidência brasileira da COP30, o país pode assumir uma posição de liderança global ao estabelecer uma regulação robusta para a redução de metano no setor de óleo e gás. Mais que um avanço ambiental, essa medida representaria um ganho econômico e geopolítico, permitindo ao Brasil exigir o mesmo nível de ambição de outros países produtores — inclusive no âmbito do Brics e da Opep+.

O Methane Tracker da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) evidencia a dimensão desse desperdício: em 2023, o potencial de oferta adicional de gás natural — por meio da mitigação de emissões de metano e do fim da queima rotineira (flaring) — superou as exportações totais do maior exportador mundial, os EUA. Foram 196 bilhões de metros cúbicos desperdiçados, frente a 177 bilhões exportados pelos americanos.

Estamos literalmente deixando escapar uma fonte de energia valiosa. Ao mitigar essas emissões, aproveitamos melhor o que já está sendo produzido, reduzimos a necessidade de novos investimentos em exploração e liberamos recursos para acelerar a transição para fontes renováveis.

Essa estratégia combina responsabilidade climática com eficiência econômica e nos aproxima de uma transição energética justa — que reconhece a urgência da crise climática sem negligenciar os desafios sociais e econômicos da descarbonização.

Vale lembrar que o Brasil lidera também em outro aspecto: segundo pesquisa do Global Methane Hub em 17 países, a população brasileira foi a que mais demonstrou apoio à mitigação de metano e maior percepção dos impactos de eventos climáticos extremos. Isso mostra que a sociedade está pronta. Cabe ao governo transformar essa expectativa em ação e fazer da mitigação de metano uma prioridade nacional.

A COP30 é nossa chance histórica de liderar pelo exemplo. Que não a desperdicemos.

Henrique Bezerra é líder regional para a América Latina no Global Methane Hub.

Congresso ignora sociedade e clima com PL da Devastação

Congresso ignora sociedade e clima com PL da Devastação

No momento em que o mundo convoca pela urgência de ações climáticas e respeito aos direitos humanos, o Congresso brasileiro avança com o chamado “PL da Devastação” (PL 2.159/2021), que desmantela o licenciamento ambiental e ignora os territórios de povos indígenas e quilombolas. Isso é ainda mais grave após o parecer consultivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, divulgado no início de julho, que liga direitos humanos e crises climáticas.O artigo a seguir, publicado no Correio Braziliense, expõe como o Congresso desrespeita a sociedade e o clima, omitindo ciência e diálogo, ao mesmo tempo em que coloca o Brasil em xeque antes da COP‑30 em Belém.


Congresso ignora sociedade e clima com PL da Devastação

Os parlamentares não poderão dizer que estavam desavisados. A Corte IDH divulgou um parecer consultivo histórico sobre a relação entre emergências climáticas e proteção dos direitos humanos

Por Juliana de Paula Batista — advogada socioambientalista e Vercilene Francisco Dias, coordenadora do Departamento Jurídico da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) divulgou, no começo de julho, um parecer consultivo histórico sobre a relação entre emergências climáticas e proteção dos direitos humanos. O documento vincula os países que se submeteram à jurisdição da Corte IDH, caso do Brasil, a adequarem suas leis, políticas públicas e ações aos parâmetros mais eficazes para a proteção dos direitos tratados no parecer. “Os Estados têm a obrigação de agir (…) para combater as causas humanas das alterações climáticas e proteger as pessoas sob a sua jurisdição dos impactos climáticos, em particular aquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade”, diz o parecer.

A boa-nova, no entanto, encontra um clima pouco amigável no Brasil com a aprovação, na madrugada de 17 de julho, do PL 2.159/2021, ou o PL da Devastação, na Câmara dos Deputados. O projeto, que agora segue para sanção ou veto do presidente da República, desmonta, de modo preocupante, as regras para o licenciamento ambiental de obras e atividades, alterando o arcabouço vigente desde a redemocratização.

Se for mantido, permitirá que empreendimentos altamente impactantes sejam licenciados a toque de caixa. Terras indígenas e quilombolas, por exemplo, só serão consideradas se já estiverem nas fases finais de um longo e complexo processo de regularização fundiária, o que pode demorar mais de 30 anos. As terras que estão nas fases iniciais do processo de demarcação ou titulação poderão ser solenemente ignoradas, e grandes empreendimentos nelas instalados. Os impactos não serão estudados, tampouco prevenidos, mitigados ou compensados. O que restará serão danos irreparáveis.

A estratégia não é ingênua e foi pensada justamente para criar fatos consumados por terceiros nessas áreas, inviabilizar a posse plena da terra e gerar ainda mais insegurança jurídica para os direitos fundamentais de indígenas e quilombolas. As terras indígenas e quilombolas estão entre as principais barreiras contra o avanço do desmatamento no Brasil. Dados do Mapbiomas mostram que, nos últimos 30 anos, terras indígenas perderam apenas 1% de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%.

Legislar contra o meio ambiente e em prejuízo das terras indígenas e quilombolas viola frontalmente uma das conclusões unânimes da Corte IDH: os estados devem adotar as medidas legislativas, administrativas e de política pública adequadas para garantir a proteção dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, além de implementar estratégias voltadas para reforçar, a curto e longo prazo, a resiliência e a capacidade de adaptação climática desses povos.

O Congresso Nacional não se preocupou com nada disso. Tampouco considerou o melhor conhecimento científico disponível para tomar suas decisões. O campo científico não foi convidado para sentar à mesa e apresentar estudos que pudessem nortear uma discussão racional sobre as consequências da nova lei para o clima. Qual será o impacto? Ninguém sabe.

Mas, os parlamentares não poderão dizer que estavam desavisados. A Corte IDH alertou que os países devem fortalecer o Estado Democrático de Direito como marco essencial para proteger os direitos humanos, a eficácia da ação pública e uma participação cidadã aberta e inclusiva. Com ouvidos moucos, eles preferiram a seletividade que lhes mantêm beneficiados por lobbies e emendas. A sociedade? Que coma brioches.

É fundamental que se coloque freio de arrumação em um Congresso que legisla de costas para a sociedade. A emergência climática já sacrifica os brasileiros, especialmente os mais pobres, como vimos nas enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul ou nos incêndios florestais que consumiram o Pantanal.

Na antevéspera da Conferência das Partes (COP-30), que acontece em Belém, em novembro, o Congresso Nacional boicota o papel do Brasil como um país que poderia estar na vanguarda das negociações climáticas. Nesse cenário, o parecer consultivo da Corte IDH é um instrumento importante para fortalecer — seja nas prováveis judicializações que devem acabar no Supremo Tribunal Federal, seja na própria Corte IDH — a defesa do meio ambiente.

Para os indígenas e quilombolas, que resistem dia a dia, o parecer da Corte IDH será uma ferramenta de luta para manter em pé seus povos e vivos os seus territórios.

 

Parecer jurídico histórico da Corte Interamericana de Direitos Humanos declara dever dos Estados enfrentar a emergência climática

Parecer jurídico histórico da Corte Interamericana de Direitos Humanos declara dever dos Estados enfrentar a emergência climática

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) deu um passo histórico ao publicar um parecer jurídico que afirma: enfrentar a emergência climática é dever legal dos Estados. O documento reconhece, pela primeira vez, o direito a um clima saudável como um direito autônomo e exige ações concretas e urgentes para mitigar a crise climática, proteger os mais vulneráveis e garantir os Direitos da Natureza. O artigo do Instituto de Governança e Desenvolvimento Sustentável (IGSD) explica que a decisão representa um divisor de águas no uso do direito internacional para fortalecer a justiça climática e envia um recado claro aos países das Américas: não há mais tempo para promessas vazias. O cumprimento das obrigações climáticas passou a ser uma questão de respeito aos direitos humanos fundamentais.

Parecer Jurídico Histórico da Corte Interamericana de Direitos Humanos Declara Dever dos Estados Enfrentar a Emergência Climática

Por IGSD

No dia 3 de julho, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou um parecer jurídico histórico declarando que os Estados possuem amplas obrigações em matéria de direitos humanos para lidar com o que a Corte considerou, de forma unânime, uma emergência climática real e crescente. Para proteger e garantir diversos direitos — incluindo o recém-articulado direito a um clima saudável — os Estados devem realizar ações urgentes e eficazes de mitigação, adaptação e avanço rumo ao desenvolvimento sustentável sob a ótica da resiliência e dos direitos humanos.

O parecer representa um marco no uso do direito internacional dos direitos humanos frente à mudança climática. A disposição da Corte em agir e emitir declarações legais abrangentes para preservar os direitos humanos diante da emergência climática serve de inspiração para tribunais e litigantes ao redor do mundo.

Entre outros pontos, o Parecer Consultivo (OC-32/25) estabelece um elevado padrão (“reforçado”) de diligência devida a todos os membros da OEA, exigindo ações de curto, médio e longo prazo para fortalecer a resiliência e proteger os direitos humanos. Também afirma que os Estados têm obrigações legais de implementar políticas climáticas internas e de cooperar internacionalmente — destacando o Protocolo de Montreal como modelo — além de proteger o acesso à justiça, adaptando processos judiciais ao contexto climático, fortalecendo o Estado de Direito democrático e criando proteções específicas para defensores ambientais e grupos vulneráveis desproporcionalmente afetados pela crise climática.

“Os Estados nacionais, que têm poder para implementar políticas de mitigação e adaptação — e que se reunirão na Amazônia para a COP30 este ano — têm o dever de defender os direitos de seus cidadãos. O parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos não é apenas uma salvaguarda para litigantes: é uma mensagem poderosa aos negociadores para que lutem pelos direitos de seus povos”, afirmou Romina Picolotti, fundadora do Centro de Direitos Humanos e Meio Ambiente e ex-ministra do Meio Ambiente da Argentina.

O cumprimento dessas obrigações é necessário para garantir múltiplos direitos humanos, incluindo o direito a um clima saudável — reconhecido pela primeira vez nesse parecer como um direito autônomo. Embora relacionado ao direito a um meio ambiente saudável, ele funciona de forma independente para proteger as gerações presentes e futuras, bem como os Direitos da Natureza, igualmente reconhecidos pela primeira vez. A Corte declarou que ações humanas que causem danos irreversíveis ao “equilíbrio vital” do ecossistema comum representam violações do mais alto nível do direito internacional.

A fundamentação da Corte foi baseada na melhor ciência disponível, no direito climático e dos direitos humanos, e no conceito de resiliência climática. O parecer identifica o metano e outros poluentes climáticos de curta duração como grandes responsáveis pelas mudanças climáticas, elogiando o Protocolo de Montreal como um dos acordos ambientais internacionais de maior sucesso da história.

“Este parecer está destinado a se tornar um dos documentos jurídicos mais importantes do século. É um roteiro para juízes e litigantes do mundo inteiro, oferecendo a orientação necessária para enfrentar com eficácia a emergência climática”, afirmou Durwood Zaelke, presidente da IGSD. “A Corte destaca a urgência e a necessidade de ações vinculantes em nível nacional e global. Promessas e compromissos não substituem obrigações legais”, concluiu.

Os Estados são legalmente obrigados a cumprir o parecer, que representa a mais alta interpretação vinculativa das obrigações em direitos humanos. Sob a doutrina do controle de convencionalidade, todas as autoridades internas — dos poderes judiciário, legislativo e executivo — devem agir em conformidade com os pronunciamentos da Corte.

*O IGSD trabalha para implementar estratégias subnacionais de mitigação rápida, proteger sumidouros e estudar a remoção de metano, entre outros esforços.

O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil? 

O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil? 

O mar não é lugar para falsas soluções. Em meio à emergência climática, cresce a tentativa de apresentar o gás natural liquefeito (GNL) como uma alternativa “limpa” para a transição energética, especialmente no setor naval. Mas essa narrativa ignora uma verdade: o GNL é composto majoritariamente por metano, um gás de efeito estufa extremamente potente, que agrava o aquecimento global e ameaça diretamente os oceanos. No artigo a seguir, publicado no site O Eco, em 13 de junho, a oceanógrafa Elissama Menezes revela por que o GNL é uma aposta cara, poluente, ultrapassada e como o Brasil pode (e deve) fazer diferente.

O falso herói dos mares: por que o GNL ameaça os oceanos e o futuro do Brasil? 

Por Elissama Menezes* 

É impossível ignorar uma ameaça crescente ao nosso planeta: o avanço na atmosfera do metano (CH4), presente na composição do gás natural liquefeito. Conhecido como GNL, ele é equivocadamente promovido como uma alternativa limpa para a transição energética na indústria marítima, onde é largamente utilizado. Mas a realidade é outra: o metano é um potente gás de efeito estufa (GEE), similar ao dióxido de carbono (CO2). Apesar de permanecer na atmosfera por menos tempo que o CO2, ele absorve 82 vezes mais energia. Ou seja, sua contribuição para o efeito estufa é igualmente impactante e prejudicial ao meio ambiente. 

Avaliação recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indica que o caminho para garantir um futuro habitável para o planeta passa pela urgente eliminação dos combustíveis fósseis e por cortes profundos e imediatos nas emissões de gases em geral. Na contramão disso, dados do Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) apontam que, entre 2016 e 2023, as emissões de metano no transporte marítimo aumentaram 180%, impulsionadas principalmente pelo uso do GNL nas embarcações. Esse incremento de emissões acelera o aquecimento global, intensifica a acidificação dos oceanos, ameaça recifes de corais e compromete cadeias alimentares, afetando a segurança alimentar de milhões de brasileiros. Mas os riscos não param por aí. O GNL avança sobre territórios marcados por alta biodiversidade e povos originários, colocando em xeque importantes patrimônios culturais da humanidade.  

Mas, mesmo diante desse cenário, o Brasil parece apostar em um mercado sem futuro. O país tem demonstrado interesse em investir em navios movidos a GNL. Isso vai de encontro aos dados da Agência Internacional de Energia, que estima que, daqui a cinco anos, a demanda por gás natural vai cair drasticamente, projeções alinhadas com o Acordo de Paris. Ou seja, são ativos com décadas de vida útil e sério risco de se tornarem obsoletos em pouquíssimo tempo. Além disso, a partir de 2028, embarcações que usam GNL começarão a pagar taxas sobre emissões de carbono – mais uma prova que essa opção é uma estratégia incompatível com um futuro climático seguro, com a saúde dos oceanos e com os compromissos de redução de emissões para nos garantir um futuro sustentável.  

A COP30 em Belém é uma enorme oportunidade para o Brasil mudar de direção e liderar uma transição energética justa e inclusiva, investindo em energias renováveis e em modelos de transporte resiliente. Continuar insistindo em falsas soluções, como o GNL do setor naval, não é definitivamente o melhor caminho.  

As águas profundas da Amazônia e do litoral brasileiro não merecem ser palco de mais uma aposta equivocada no atraso. Neste Dia Mundial dos Oceanos – que cobrem 71% da superfície da terra e são vitais para a produção de oxigênio e regulação climática global –, esperamos que o país olhe para o mar não como depósito de metano, mas como fonte de vida e esperança.  

Elissama Menezes é oceanógrafa, diretora da Equal Routes e da campanha global “Diga Não ao GNL”.

Brasil pode liderar a frente esquecida do clima

Brasil pode liderar a frente esquecida do clima

Diante da urgência climática, especialistas destacam que uma das formas mais eficazes de conter o aquecimento global nas próximas décadas continua subestimada: o combate aos poluentes climáticos de vida curta, como o metano e o carbono negro (fuligem). Em artigo publicado no Valor Econômico, no dia 5 de maio, Henrique Bezerra, do Global Methane Hub, aponta o Brasil como peça-chave para liderar uma nova frente de ação climática global, com foco em cortes rápidos de emissões e impactos concretos ainda nesta década. Confira:

Brasil pode liderar a frente esquecida do clima
País pode ajudar a lançar coalizão para ação de curto prazo, centrada no metano, no carbono negro (fuligem) e em outros poluentes climáticos de vida curta

Por Henrique Bezerra

Enquanto o mundo corre para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C e salvar o Acordo de Paris, uma das alavancas mais poderosas para aliviar o clima no curto prazo continua subutilizada: a redução das emissões do metano e de outros poluentes que não o CO₂. Em um momento de complexidade geopolítica e de mudanças nas alianças climáticas, o Brasil tem uma oportunidade única de liderar uma nova diplomacia climática — focada em ações rápidas, justas e de alto impacto.

Com a próxima cúpula do Brics no horizonte e os crescentes apelos por um aumento da ambição climática para manter a meta do Acordo de Paris viva, o Brasil está em uma encruzilhada entre a liderança regional e credibilidade global e um temido fracasso das negociações. O país pode ajudar a lançar uma coalizão de alta ambição para a ação climática de curto prazo, centrada no metano, no carbono negro (fuligem) e em outros poluentes climáticos de vida curta (SLCPs) que estão acelerando o aquecimento global.

Diferente do CO₂, que se acumula por séculos, o metano e a fuligem têm impactos climáticos imediatos. Cortá-los agora pode desacelerar o aquecimento em até 0,5°C antes de 2050. O Brasil conhece bem essa realidade. As queimadas na Amazônia geram fuligem que escurece geleiras nos Andes. O metano do gado, de lixões e de arrozais contribui para o calor extremo, a poluição por ozônio e a perda de produtividade agrícola. Esses não são problemas distantes; estão aqui, agora, e afetam desproporcionalmente o Sul Global.

Ainda assim, a ação sobre os SLCPs continua isolada, sendo muitas vezes vista como um complemento periférico às estratégias de mitigação de dióxido de carbono. Isso precisa mudar. O mundo precisa de uma nova abordagem de mitigação baseada em temperatura — que não meça apenas toneladas evitadas, mas graus prevenidos. É aqui que o Brasil pode liderar.

Imagine uma cúpula liderada pelo Brasil sobre poluentes não CO₂ — reunindo China, União Europeia, Índia, União Africana e países-chave da América Latina. Não como um fórum centrado nos EUA, mas como uma parceria Sul-Norte baseada em equidade e urgência. Imagine os países do Brics endossando uma meta comum de reduzir o metano em 30% e eliminar as principais fontes de fuligem em uma década. Esses passos não apenas resfriariam o planeta, mas também salvariam milhões de vidas por meio da melhora na qualidade do ar.

A liderança do Brasil poderia acelerar:

* Cortes rápidos de metano na agricultura, resíduos e setor de combustíveis fósseis;
* Programas em larga escala de fogões limpos na África, Ásia e América Latina;
* Inovação em tecnologias de refrigeração e substituição de HFCs;
* Cooperação regional para combater queimadas.

O Global Methane Hub e a Clean Air Fund estão prontos para apoiar essa visão — com financiamento, ciência e parcerias que transformam ambição em ação.

À medida que o mundo busca novo impulso climático, o Brasil tem a credibilidade, a capacidade e o imperativo climático para agir. Ao assumir a liderança na mitigação do metano e poluição do ar, o país pode redefinir o que significa ser líder climático: não apenas em gigatoneladas de CO₂, mas em vidas salvas, florestas e geleiras preservadas, colheitas protegidas e graus de aquecimento evitados.

O próximo capítulo da ação climática precisa ser mais rápido, mais justo e mais focado. O Brasil pode escrevê-lo.

*Henrique Bezerra é líder regional para a América Latina no Global Methane Hub.

Link: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/brasil-pode-liderar-a-frente-esquecida-do-clima.ghtml

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