A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica é História e futuro

A Mata Atlântica sempre foi tratada como a casa da mãe Joana e ganhou um presente de grego em seu dia, comemorado em 27 de maio. Saiu nesta data a notícia de que o bioma perdeu 130,53 km² entre 2019 e 2020. Ainda que a devastação tenha sido menor que a do ano anterior, foi 14% maior que a de 2017-2018, quando comemorávamos a menor taxa de desmatamento em 36 anos. É mito que a floresta tenha sido destruída aos poucos no período colonial, quando os europeus começaram a derrubar árvore para plantar cana-de-açúcar e, em menos de 30 anos, quase levaram à extinção o pau-brasil. O bota-abaixo para valer aconteceu no século XX, quando 5.364,8 km² de mata foram ao chão só entre 1985 e 1990. Tudo isso no quintal de casa da maior parte dos brasileiros. Hoje, sobraram só 12,4% dos seus 1.310.298,98 km² originais.

Toda esta situação desmente um dos hits da desinformação nas atuais discussões sobre ecologia: o argumento de que só as nações ricas destruíram suas florestas, enquanto o Brasil manteve as suas intactas. A área derrubada aqui equivale a três Alemanhas e meia. Não devemos nada a eles. Quer dizer, não em relação a isso. Então, que tal aproveitar a Semana do Meio Ambiente para perguntar: em nome de quê? Presente em 17 estados e lar de 72% da população do país, o bioma parecia ter o desmatamento sob controle até 2017, com dois períodos consecutivos de queda. Mas a coisa degringolou no ano seguinte, quando o indicador cresceu 27% e segue destrambelhada desde então, como mostra o relatório anual da Fundação SOS Mata Atlântica, feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Se este parágrafo inteiro lhe fez pensar num certo pessoal que anda batendo ponto em Brasília, tudo bem. A relação era inevitável mesmo.

No ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu ao presidente uma revisão na Lei da Mata Atlântica. A regra sancionada em 2008 reduziu consideravelmente a devastação do bioma. Além disso, também tentou anistiar desmatadores ilegais. Investigado por contrabando de madeira, o menino da porteira está feliz com a boiada que passa e só falta pedir ao vaqueiro que toque o berrante. Vale lembrar que, em tese, ele conhece bem a Mata Atlântica – pelo menos por mapas. Salles começou sua carreira como secretário do meio ambiente em São Paulo. É diferente da Amazônia, que ele só viu pela primeira vez após ter se mudado para o Plano Piloto. Agora, entre conhecer e preservar, há uma grande diferença.

As razões para devastação da Mata Atlântica são várias. A expansão imobiliária, a ocupação de áreas pela agropecuária e a queima de árvores para produção de carvão vegetal são apenas algumas delas. Para piorar a situação, tramita hoje no Congresso um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental. O texto abre caminho para mais desmatamento e facilita a construção de barragens como as da Vale e da Samarco, por exemplo. O rompimento da primeira devastou 1,3 km² de vegetação nativa após em 2019. Já o rompimento da segunda arruinou o Rio Doce, cuja bacia atinge 228 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Tudo isso dentro do mesmo bioma: a Mata Atlântica, que abriga os rios que abastecem Rio e São Paulo. Sentiu o drama? Quem nos lê de uma das duas maiores cidades brasileiras pode, em breve, ter saudades da água do volume morto ou com notas de geosmina.

Mas calma. A esperança é como uma população de micos-leões dourados que, mesmo com risco de extinção, cresce de novo quando a gente preserva. Aqui vão alguns motivos para isso. No Desafio de Bonn e na Declaração de Florestas de Nova York, o Brasil se comprometeu a reflorestar 120 mil km² até 2030. E um estudo publicado em julho de 2019 na revista “Science Advances” identificou que a Mata Atlântica é nosso bioma mais apto a ser regenerado. Assinada por 25 cientistas de Austrália, Brasil, Estados Unidos, Polônia, Reino Unido e Suécia, outra pesquisa divulgada na “Nature Ecology & Evolution” foi além e apontou áreas específicas deste ecossistema para a restauração, levando em conta desde critérios econômicos à conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. De acordo com esta análise, seria possível evitar a extinção de 745 espécies de animais e plantas, absorver um bilhão de toneladas de CO₂ e ainda economizar US$ 28 bilhões por meio desta iniciativa. Ou seja, temos a faca e o queijo na mão. A Mata Atlântica está em nossa História, sobrevive heroicamente no presente e pode ser vital para o nosso futuro.

 

#MataAtlântica #MeioAmbiente #LicenciamentoAmbiental #Preservação #Desmatamento

 

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Parece, mas não é

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É tênue a linha que separa o lampejo genial da ideia de jerico. Há 45 mil anos, um homo sapiens anônimo registrou seus cotidiano e imaginário numa caverna na Ilha de Sulawesi, na Indonésia. Ele foi capaz de criar uma tinta resistente ao tempo e 100% natural. Graças a isso, hoje sabemos algo sobre como viviam alguns de nossos mais remotos ancestrais. Porém, suas pinturas rupestres, as mais antigas que se tem notícia, podem desaparecer. E essa perda inestimável seria mais um estrago para pôr na conta das mudanças climáticas, segundo um estudo recém-publicado no “Scientific Reports”.

É claro que quando James Watts concebeu seu motor a vapor, em 1763, dificilmente imaginou tal relação de causa e efeito. Usar combustíveis fósseis para mover o mundo parecia um lampejo genial. A Humanidade só se deu conta de que seu modo de vida estava influindo no clima do planeta quase dois séculos depois. A invenção de Watts ajudou a encurtar distâncias e a nos aproximar; porém estar perto não resultou em estar junto. Talvez por isso foi preciso que uma pandemia nos obrigasse a enxergar o óbvio: vivemos uma emergência e estamos todos no mesmo barco. Esse sacode fez os EUA retomarem a liderança do combate às mudanças climáticas e os países mais ricos reverem suas metas de emissões.

Quem sabe este embalo tenha inspirado a Câmara dos Deputados a aprovar no último dia 13 a nova Lei de Licenciamento Ambiental. Dita assim, a notícia até parece boa – mas não é. O texto exclui a obrigatoriedade de avaliação e prevenção de impactos em obras em terras indígenas e quilombolas ainda não homologadas, contrariando a Constituição. Também abre brechas que podem levar unidades de conservação à destruição. Isso numa hora em que o mundo inteiro está de butuca no Brasil, já que o desmatamento responde por 44% de nossas emissões de CO₂. E tem mais: a nova regra cria um dispositivo que, na prática, dispensa de licenciamento ambiental a construção de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, entre outros despautérios. Talvez os parlamentares quisessem fazer uma surpresa para a população nesses tempos tão bicudos e, por isso, não a consultaram. Que o Senado corrija esse lapso.

No inferno das boas intenções, penam as decisões mais extravagantes. Você sabia que, até os anos 1950, era comum que o pesticida DDT – o famigerado flit – fosse usado nos Estados Unidos diretamente sobre as pessoas, inclusive crianças? O pai de todos os agrotóxicos servia para matar insetos, como piolhos e mosquitos, e tinha gente que acreditava que ele era a cloroquina da poliomielite. Com o tempo, descobriu-se que o suposto santo remédio era, na verdade, um perigoso veneno e o uso do DDT foi banido no mundo todo. Afinal, a ideia de nos envenenarmos voluntariamente não parece razoável, certo? Então, o que dizer sobre o governo brasileiro, que liberou no fim de abril o uso em nossas lavouras de 34 substância proibidas em outras partes do planeta justamente por fazerem mal à saúde humana? Cá entre nós, a situação é bem parecida com a do DDT. Será que teremos um desfecho igual?

A lista de pegadinhas ambientais é extensa e curiosa. As hidrelétricas, por exemplo. Durante muito tempo se acreditou que elas produziam energia 100% limpa e renovável. Esses mitos foram derrubados por desastres como Belo Monte, um caso tão emblemático que até Bolsonaro concorda que foi “dinheiro jogado fora” (ainda que ele ache isso por motivos poucos sustentáveis). Inviável desde o começo, a usina é incapaz de fornecer a energia que foi prometida no papel. Para completar, seu reservatório emite metano, um gás do efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂. A gente já alertava para isso em 2011, quando lançamos o Movimento Gota D’Água, que questionava a obra.

É a ironia das ironias: uma hidrelétrica mal-planejada que pode vir a ser aposentada por falta de água para mover suas turbinas. Uma situação parecida com a de ter um cidadão condenado por fraude ambiental indicado para ministro do meio ambiente e vê-lo ser alvo de uma operação da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em um esquema de contrabando de madeira ilegal. São pedras cantadas, que não surpreendem a quem sabe juntar os pontos.

Na vida, você não precisa ser mais esperto que ninguém para não ser enganado. Só tem que se manter atento. Entre uma rodovia com veículos que liberam carbono e uma estrada de ferro com trens elétricos, não é difícil saber o que é melhor para o meio ambiente. Agora, se a ferrovia corta uma área verde, já são outros 500. Ou melhor, US$ 1,9 bilhão. Este é o custo estimado do impacto ambiental da Ferrogrão, que está para sair do papel, de acordo com um estudo da Climate Policy Initiative, em parceria com a PUC/RJ. Entram na conta 2.043 km² de floresta que serão desmatados e 75 milhões de toneladas de CO₂ emitidas por causa da obra. Abrir uma nova BR também não é solução. O que resolve é colocar o projeto nos trilhos, de forma a poluir o mínimo possível. Só assim para o Brasil não perder o trem da história.

 

#MeioAmbiente #Infraestrutura #MudançasClimáticas #BeloMonte #LicenciamentoAmbiental #Ferrogrão

 

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De olhos bem fechados

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Os forasteiros chegaram por volta de 11h30. Eram garimpeiros, vinham em 7 barcos e deram início ao ataque. O tiroteio durou meia hora e terminou com 3 invasores mortos e 6 pessoas feridas – entre elas, um indígena. Com ares de bangue-bangue, a cena infelizmente não tem nada de ficção. Aconteceu no último dia 10, no território Yanomami. Mais precisamente, na comunidade Palimiu, às margens do Rio Uraricoera, no noroeste de Roraima, a 260 quilômetros de Boa Vista. Infelizmente também, não foi a primeira vez que a região registrou confrontos do tipo – o que indica que existe ali um problema sério a ser resolvido. 

Calcula-se que o número de garimpeiros já se aproxima ao de habitantes legítimos na Terra Indígena Yanomami. São 20 mil invasores e 27 mil indígenas. “Agora os brancos não vivem longe de nós. Eles não param de se aproximar”, afirmou Davi Kopenawa em seu depoimento na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em março do ano passado. Na ocasião, a liderança denunciou o desmonte das políticas ambiental e indigenista brasileiras e o aumento de invasões ao território de seu povo, que pode levar grupos isolados à extinção. Para extraírem o que desejam, os garimpeiros não se preocupam em manter nenhuma árvore de pé. Um relatório das associações Hutukara e Wanasseduume Ye’kwana, que monitoram a região, registra que entre 2019 e 2020 foram desmatados 500 hectares de floresta.  

O episódio do dia 10 foi o ápice de uma escalada de tensão que durou, pelo menos, 2 semanas. Em 27 de abril, os indígenas expulsaram cinco garimpeiros que investiram contra a comunidade Palimiu. No dia 30, denunciaram o ataque às autoridades; como nenhuma providência foi tomada, os criminosos voltaram. Não há mais como negar que as ações – e omissões – do governo encorajam os atos dos malfeitores.  

Se quisermos ser justos, precisamos lembrar que os infortúnios do povo Yanomami não começaram neste governo. O mercúrio que carregam em seu sangue é, por exemplo, consequência de 50 anos de garimpo ilegal em suas terras. A presença de invasores em busca de uma fortuna suja fez com que 22% da população indígena da região morressem de gripe ou malária na década de 1980. O termo usado à época para classificar a situação voltou à moda nos últimos tempos: genocídio. A diferença é que os militares, naquele momento, se incomodaram com a palavra.  

“No governo João Figueiredo, em 8 de janeiro de 1985, baseada em decreto de 1983, a Funai, subordinada ao saudoso ministro Mário Andreazza, criou o Parque Indígena Yanomami, com superfície de 9.419.108 hectares. Interditou-o e proibiu a presença de não-índios”, escreveu em artigo ao jornal “Correio Braziliense” Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça do governo Collor, justificando o seu aval à Portaria 580. O texto declarava como posse permanente do povo Yanomami as terras que seus integrantes ocupavam na fronteira de Roraima com o Amazonas.  

Episódios como apoio entusiasmado ao AI-5 mostram que o general Passarinho estava longe de fazer jus à leveza de seu sobrenome. Mas, como já dissemos aqui, precisamos ser justos e admitir que, ao menos em relação aos Yanomami, ele até que se redimiu, num exemplo que pode ser inspirador para outros companheiros de caserna. 

Vamos pegar um nome qualquer. Jair Bolsonaro, por exemplo. Logo no início de seu mandato, o presidente tentou aprovar a Medida Provisória 910/19 (hoje travestido de Projeto de Lei 2633/20), conhecida como MP da Grilagem, para regularizar terras invadidas na Amazônia; e pautou como prioridade este ano, em plena pandemia, a votação da PL 191, que libera atividades como mineração e agropecuária em terras indígenas – o que é inconstitucional. Curiosamente, em 1992, logo em seu segundo ano na Câmara Federal, em seu primeiro ato como deputado federal, ele apresentou o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 170. Este visava revogar a Portaria 580, assinada um ano antes justamente pelo general Passarinho. Para sorte dos indígenas, o PDL de Bolsonaro foi arquivado à época. Para azar deles, o autor do texto se tornou o presidente da república 30 anos depois. Por essas e outras, há quem diga que os povos tradicionais correm hoje mais perigo do que nunca. 

Ser indígena no Brasil e lutar contra o garimpo em suas terras é uma briga tão difícil quanto importante. Vencê-la significa preservar um patrimônio que pertence a todos os brasileiros. Por outro lado, ser derrotado não significa apenas perder este tesouro, mas sim um espaço intimamente ligado a um modo de vida e uma visão de mundo. Filho mais velho de Davi Kopenawa, Dário Kopenawa, vice-presidente da Associação Hutukara, relata que cerca de 40 aviões sobrevoam todos os dias a TI Yanomami levando provisões e garimpeiros, que têm ainda oito helicópteros à disposição. É uma disputa desleal, que só pode se tornar minimamente equilibrada se nos esforçarmos para entender o que está acontecendo e como estamos implicados nisso.  

Em nome de que fechar os olhos em relação a algo que nos diz respeito? 

 

#Yanomami #Indígenas #Garimpo #Amazônia #MeioAmbiente 

 

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Vozes da terra livres

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Esta semana, a Justiça teve de conter o ímpeto antidemocrático da Funai (Fundação Nacional do Índio) em relação a Sonia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e Almir Suruí, coordenador geral da Associação Metareila do Povo Indígena Paiter Suruí. Ambos foram intimados a depor pela Polícia Federal após a fundação denunciar atividades legítimas desenvolvidas pelas lideranças como crimes. Para isso, a Funai se baseou na empoeirada Lei de Segurança Nacional (LSN) – uma herança maldita da ditadura. No fim, a própria PF concluiu que as acusações não faziam sentido e encerrou os inquéritos. Melhor assim.

Tanto Sonia como Almir foram chamados às falas por críticas feitas pelas entidades que representam à conduta do Executivo no combate à pandemia. A Funai achou por bem acusá-los de difamação. Considerando que a principal função do órgão é defender os direitos indígenas, é como se o seu advogado estivesse trabalhando por sua condenação – com o agravante de saber que você é inocente. Pouco justo, não é? Para piorar, convém lembrar também que, em agosto do ano passado, a Apib ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o governo federal, justamente por conta da negligência em relação à saúde dos povos indígenas durante a pandemia. E o que aconteceu? A ADPF foi acatada de pronto pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou que o Executivo apresentasse um plano emergencial. Este já está em sua quarta versão. Quer dizer, tudo indica que o governo… merecia mesmo ser criticado.

O Brasil anda um caos, mas é bom ver certas coisas encontrarem, aos poucos, o seu devido lugar. Este caso está repleto de exemplos neste sentido. No último dia 4, a Câmara aprovou um projeto que revoga a LSN. No dia seguinte, o inquérito contra Sonia e a Apib foi trancado pela Justiça Federal. E no dia 6, foi a vez do mesmo acontecer com a investigação que tinha Suruí como alvo. Passado o susto, o episódio ao menos serviu para revelar nas entrelinhas algo muito importante: a inegável relevância conquistada pelo movimento indígena. O adversário acusou o golpe.

Dissociar desenvolvimento de preservação ambiental cheira à naftalina e ninguém sabe melhor disso do que os indígenas. Guardiões de um conhecimento milenar sobre a natureza, eles não ficaram no passado – como muitos de seus detratores – e encontraram rapidamente seu lugar em um mundo globalizado, com fronteiras cada vez mais raras e oportunidades de diálogo cada vez maiores. Em 2020, Sonia recebeu pela Apib o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, concedido pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington. Já Suruí foi premiado em 2008 pela Sociedade Internacional de Direitos Humanos, o que lhe rendeu notoriedade suficiente para desenvolver ações de monitoramento da floresta em parceria com o Google.

Hoje, as lideranças indígenas do Brasil têm cadeira cativa em conferências de organizações como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E quando elas falam, quem está ouvindo não costuma sair da sala, como acontece com presidentes de países com filme queimado em outros encontros internacionais.

Nossos povos tradicionais levaram seu recado aos 4 cantos do mundo e, diante de um governo saudoso do autoritarismo e outras práticas antiquadas, o contraste não poderia ser maior. Presa ao clientelismo que serve de base para toda corrupção e atraso, a chamada Nova Política tem se revelado uma piada de mau gosto. Já os indígenas, com sua articulação, conhecimento e respeito ao meio ambiente, representam claramente o amanhã com que sonhamos. Todos sabemos que, por mais que tente, o passado não é capaz de impedir o futuro. As vozes da terra estão livres e cabe a nós engrossar este coro. Não só porque é justo, mas também porque o que está em jogo é o bem comum.

#Justiça #Funai #Pandemia #DireitosIndígenas #Apib #PovosIndígenas #PovosTradicionais #Autoritarismo #Política #MeioAmbiente

 

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Copo meio cheio

Copo meio cheio

As mudanças climáticas estão abalando as estruturas não só do mundo ocidental, como também do oriental. Literalmente e metaforicamente. Um estudo da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Técnica da Dinamarca indica que o descontrole no clima vem causando alterações no eixo de rotação da Terra desde os anos 1990. A razão é a redistribuição do volume de água no planeta, causada pelo degelo dos polos – afinal, H₂O pesa. Por outro lado, depois da Cúpula do Clima convocada por Joe Biden, já é possível vislumbrar o copo meio cheio – no bom sentido, é claro. As grandes potências parecem ter acordado para o significado da expressão emergência climática, o que é ótimo. O próprio presidente americano disse que é preciso limitar em 1,5°C o aumento médio da temperatura global até 2100 – o Acordo de Paris prevê, oficialmente, 2° C. “Estão deixando a gente sonhar”, já dizia o filósofo Ronaldinho Gaúcho.

É claro que nem tudo são flores. De acordo com a mesma pesquisa, caso as emissões de gases do efeito estufa continuem em desabalada carreira, o Ártico pode descongelar nos verões de 2040 em diante. O pior é que a economia mundial pode derreter junto. O quadro é tão sério que até o presidente brasileiro foi obrigado a reconhecer que as mudanças climáticas são resultado da ação humana, um dos últimos bastiões de sua cartilha negacionista. Caso o governo não demonstre seriedade, periga o Brasil ser abandonado no século XX por seus pares. Certa vez, o ex-presidente Collor comparou os carros brasileiros a carroças. Essa hipérbole pode deixar de ser figura de retórica: se até os Estados Unidos, que têm o petróleo entranhado em sua cultura, vão apostar na eletrificação de automóveis, quem vai comprar lá fora uma peça de museu movida a suco de dinossauro?

A boa notícia é que, com a água batendo em lugares, digamos, desagradáveis, os países começaram a se mexer. Na véspera da cúpula, a União Europeia (UE) anunciou que o bloco vai zerar as emissões de CO₂ até 2050 e as reduzirá em 55 % em relação aos níveis de 1990; Vladimir Putin, presidente da Rússia, se comprometeu a atingir neutralidade em carbono até 2025; e o Japão, a diminuir em 46%, até 2030. Os americanos também deram uma cartada alta: afirmaram que vão cortar as emissões de carbono em até 52% até 2030 – na era Barack Obama, a meta era reduzir de 26 a 28% até 2025. A onda verde contagiou até o presidente brasileiro, que prometeu duplicar a verba da fiscalização ambiental no encontro de líderes – para, no dia seguinte, cortar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Nesse caso, muito pouco mesmo.

O fato é que águas passadas não movem moinhos e o mundo parece mesmo estar finalmente enxergando com novos olhos a questão ambiental. Na cúpula, Joe Biden falou explicitamente nos empregos que a indústria de energia eólica poderia gerar. Os líderes das principais nações agem por duplo pragmatismo. “Ações sobre o clima não são necessárias apenas para o futuro de nossas vidas e meios de subsistência. A ação climática é o principal motor do crescimento; é a história de crescimento do século XXI”, disse o ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern. Gina McCarthy, assessora nacional de clima do presidente americano, foi ainda mais sincera: “É por isso que tantas pessoas estão se interessando pela questão das mudanças climáticas. Porque agora está sendo apresentado como uma oportunidade”. É como se alguém enfim tivesse lido o cartaz há anos exibido pelos ambientalistas, que diz “Quer saber como salvar a humanidade e ainda ganhar um troco? Pergunte como!”, e pensado “Hmmm… Acho que isso me interessa”. Óbvio que interessa!

Oba-oba à parte, é hora de arregaçarmos as mangas e trabalharmos por um mundo mais sustentável. Afinal, o copo só está meio cheio. É claro que esta missão envolverá desafios. Como ajudar, por exemplo, James Owuor? Retratado pela revista Time, este queniano viu as mudanças climáticas causarem o aumento das chuvas e a subida das águas em 12 metros no Lago Baringo, na região onde vivia. Com isso, ele perdeu não só sua casa como seu emprego em um resort que existia na região e teve de fechar. O que faremos em casos como este? As nações ricas sabem que as menos favorecidas vão precisar de ajuda para fazer a transição para uma economia mais sustentável. EUA, Noruega e Reino Unido criaram um fundo para brecar o desmatamento e o anfitrião Joe Biden também anunciou na cúpula que vai dobrar as verbas para ações climáticas em países em desenvolvimento. O Brasil já falou alto quando o assunto era o meio ambiente. Em vez de pedir dinheiro em troca da proteção da Amazônia, nós, brasileiros, deveríamos liderar essa revolução verde e ajudar o mundo a superar essa emergência. Em nome de que abrir mão desse privilégio?

 

#MeioAmbiente #MudançasClimaticas #Brasil #EmissoesdeCarbono

 

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