O rio morreu

O rio morreu

Quando a natureza fala, os indígenas escutam. No fim de outubro de 2015, todos os anciões das aldeias Krenak ficaram doentes ao mesmo tempo. O acontecimento veio acompanhado da mudez de grilos e sapos, percebida pelos ouvidos mais atentos. “Sabíamos que aquele silêncio significava algo”, contou tempos depois a liderança e escritora Shirley Djukurnã krenak. Eram sinais claros, como relâmpagos antes da tempestade. Por volta de 15h30 de 5 de novembro daquele ano, o rompimento da barragem da Vale, em Mariana, originou uma onda de resíduos do tamanho do Pão de Açúcar, que matou 19 pessoas e afetou a vida de 500 mil cidadãos que viviam às margens do Rio Doce. O desastre teve um significado a mais para os Krenak. Este povo acredita que o crime ambiental fez o espírito daquelas águas ir para o alto da montanha. Para os Krenak, desde então, o Watu, o rio sagrado, está morto.

Um rio espiritualmente morto é uma ideia que não faz sentido para o pensamento ocidental. Em uma reunião com representantes de uma mineradora, Dejanira Krenak, liderança e matriarca do povo Krenak, perguntou: “De que forma você traz um morto à vida?”. Foi uma boa maneira de traduzir o dilema para quem não o compreendia. Por quatro dias, um tsunami de lama percorreu os 400 quilômetros entre os municípios de Mariana e Resplendor, onde vivem os Krenak. À medida que avançava, a onda diluía na água rejeitos que impediriam que a luz chegasse ao fundo do rio por 6 meses e causariam a morte de quase 30 mil peixes. Mas os impactos não pararam por ali. Para se ter uma ideia, só no primeiro ano após o rompimento, todas as 26 espécies de peixe sumiram do Rio Doce.

Assim como a pandemia impôs um novo normal a grande parte do planeta em 2020, o desastre de Mariana mudou a vida dos Krenak há cinco anos. Cerca de 140 famílias foram forçadas a se readaptar para sobreviver. Pais que aprenderam a nadar no Rio Doce, uma tradição de várias gerações, se viram forçados a ensinar seus filhos a mergulhar em caixas d’água sem nenhuma correnteza. Hoje, cada Krenak tem direito a 5 litros de água mineral por dia para beber. Prioridade entre as ações mitigatórias, o novo sistema de abastecimento ainda não está pronto. Diante de um quadro tão chocante, muitos morreram de depressão.

Até setembro de 2020, as empresas responsáveis pela barragem haviam pago mais de R$ 250 milhões em ações mitigatórias e compensatórias aos Krenak, aos Guarani e aos Tupiniquim, os 3 povos atingidos pelo desastre. O valor é pequeno diante do que foi perdido. “Não tem casa, não tem dinheiro ou qualquer coisa que pague o que fizeram com o rio”, afirmou em 2017 uma liderança Krenak sobre a situação. Dinheiro algum é capaz de devolver um espírito a um rio e os séculos de relação com o território não se contabilizam em cifras.

A história dos Krenak em Minas é antiga e bonita. Há registros do século XVIII da presença do povo na região. No passado, chegaram a ocupar uma extensão de mais de 800 quilômetros. Eles estão em Resplendor desde, pelo menos, 1910 – quando um espaço de 4 mil hectares na margem esquerda do Rio Doce foi reservado para eles. A demarcação definitiva só veio na década de 1980 e hoje a Terra Indígena conta com 7 aldeias que abrigam 540 pessoas. Antes do desastre de Mariana, os Krenak já sofriam com problemas como a desertificação do solo por conta da exploração excessiva de empresas da região. Com o rompimento da barragem, as dificuldades só aumentaram, mas não foram suficientes para enfraquecer o vínculo que existe entre o povo e a terra. Há mais de 15 anos, os Krenak pedem a incorporação de parte do Parque Estadual Sete Salões ao território. Mesmo com o crime de 2015, eles mantêm aceso o desejo de voltar às cavernas sagradas que existem neste local.

“Estamos muito tristes em ver a impunidade que reina hoje”, afirmou Geovani Krenak, liderança, em 2018 sobre o caso de Mariana. Dois anos depois, o cenário não mudou muito. Até hoje segue sem conclusão o processo no qual 4 empresas e 22 executivos foram denunciados como responsáveis pelo desastre. A denúncia foi feita pelo Ministério Público Federal em 2016.

Desde julho, tramita em Manchester, na Inglaterra, um novo processo com pedidos de indenizações a uma das mineradoras envolvidas no desastre. Em entrevista ao Estado de Minas, os advogados dos atingidos relataram que a ação é fruto direto da lentidão do sistema judiciário brasileiro em avaliar o caso de Mariana.

A demora em se fazer justiça é denunciada também em protestos realizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Para marcar a data de 5 anos de injustiça na bacia do rio Doce, atingidos por barragens de Minas Gerais e do Espírito Santo organizaram atos que denunciaram a falta de reparação para a população afetada. O objetivo principal foi chamar a atenção da Justiça para as pessoas que perderam suas casas, os empregos, e sofrem com desabastecimento de água limpa, problemas de saúde e aumento da violência por conta do maior crime ambiental brasileiro.

O estrago foi feito em curto espaço de tempo. Foram quinze dias para a lama tóxica se mover da barragem de Fundão, em Minas Gerais, à foz do rio Doce, no Espírito Santo. Já a cura vai se dar a longo prazo: estima-se que deve levar mais de 20 anos para os rios e nascentes da região afetada pelo rompimento da barragem se recuperarem. É uma previsão desanimadora para muitos, mas que não deve assustar os Krenak, acostumados a grandes desafios ao longo de sua trajetória. Removidos de suas terras pelo Estado Brasileiro em 1957, eles voltaram a Resplendor dois anos depois, após uma caminhada que durou três meses. Pouco mais de quinze anos depois, a Funai determinou uma nova remoção em 1972, revertida por meio de uma nova caminhada, em 1980, que demorou 95 dias. Desta vez, o caminho pode ser mais longo e a caminhada, mais demorada. Mas o objetivo dos Krenak segue o mesmo: viver em harmonia com a natureza no lugar que consideram sagrado.

Leia mais:

BBC – Após dois anos, impacto ambiental do desastre em Mariana ainda não é totalmente conhecido (05/11/2020)

Lama faz índios Krenaks depender de água mineral 04/11/2020

Dom Total -‘De que forma você traz um morto à vida?’, diz indígena krenak sobre Rio Doce (30/10/2019)

Elástica – “Envenenam a Terra por não acreditar que ela é um organismo vital” (20/07/2020)

Época – ‘Lutamos contra a mineração há 200 anos’, diz indígena que vive às margens do Rio Doce’ (15/08/2019)

Bom Dia Brasil – Rio Doce, da nascente à foz (29/09/2017)

G1 – Após a lama, tribo Krenak deixou de fazer rituais e festas no Rio Doce (28/10/2016)

Istoé – Três anos após desastre de Mariana, indígenas Krenak pedem justiça (05/11/2018)

Fiocruz – Povo indígena Krenak segue lutando por reconhecimento e demarcação total de seu território tradicional (04/08/2018)

Ramboll – Relatório sobre proteção e recuperação da qualidade de vida dos povos indígenas (Setembro de 2020)

O Globo – Desastre ambiental em Mariana afeta cultura dos índios krenaks (31/10/2017)

Uma Gota no Oceano – Mariana: dois anos como um dia (07/11/2017)

Minas terrestres

Minas terrestres

O governo atual encarou o maior desastre ambiental de nossa História logo no início do seu mandato. Foi como se tivesse pisado numa mina terrestre de guerras passadas. Ele não teve culpa alguma pelo rompimento de uma barragem de rejeitos tóxicos da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, que foi causado por décadas de crimes e descaso que antecederam sua chegada. Mas, em vez de lhe servir de lição de preservação e prevenção, o acidente parece ter sido usado de base para a elaboração de uma espécie de manual sobre como destruir o verde. E saiu plantando mais minas. É uma política ambiental movida ao que há de errado: afrouxamento na legislação, omissão e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização, que são um convite à corrupção. Vejam a última do ministro do Meio Ambiente. Condenado pela Justiça de São Paulo por falsificar mapas da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016, quando era secretário estadual, ele agora pretende extinguir as regras que protegem manguezais e restingas.

Esse guia é seguido nos mais diversos setores ambientais. No caso da decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), especialmente desfigurado pelo ministro para essas ocasiões, os interesses são diversos. O mais óbvio é o dos setores imobiliário e turístico, pois criar uma “Cancún brasileira” é uma obsessão pessoal do presidente – e o Conama também optou por liberar construções em áreas localizadas no entorno de represas artificiais, que também beneficia esses negócios. Mas há outros menos evidentes, como a criação de camarão (carcinicultura), um negócio que rendeu R$ 1,1 bilhão em 2019. Sozinha, esta modalidade de “agronegócio marinho” é responsável pela destruição de metade dos manguezais brasileiros. Já o terrestre seria teoricamente beneficiado pela revogação da exigência de licenciamento ambiental para projetos de irrigação – a água desviada clandestinamente por agricultores é justamente um dos maiores flagelos que assolam o São Francisco. Cerca de 14,2 milhões de brasileiros dependem diretamente das águas do “rio da integração nacional”, cuja bacia banha sete estados e o Distrito Federal.

Voltemos ao exemplo de Brumadinho. Era de se esperar que o governo – que, por sinal, agiu com rapidez no dia do acidente – redobrasse a atenção para esse tipo de estrutura. Mas o Relatório de Segurança de Barragens 2019, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), diz o contrário, já que houve um aumento de 129% no número de barragens em condições críticas no Brasil em relação a 2018 – crescendo de 68 para 156, em 22 estados. A maioria delas (63%) pertence à iniciativa privada. Aqui, as maiores interessadas são as más empresas ligadas à mineração, mananciais de propina. Justamente quem sairia ganhando com a fraude na Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê.

E o futuro aponta para mais insegurança ainda: recém-aprovada, a nova lei que regula a Política Nacional de Segurança de Barragens excluiu a exigência de que os planos de emergência das empresas fossem examinados pelas agências reguladoras. Caso o plano de emergência que a empresa alemã Tüv Süd apresentou à Vale para a barragem da mina do Córrego do Feijão fosse analisado antes, o pior poderia ter sido evitado. O mais provável é que fossem exigidas mudanças no projeto, uma vez que estudos prévios já apontavam falhas – como, por exemplo, que os rejeitos chegariam até o refeitório dos trabalhadores em um minuto ou menos e que as rotas de fuga seriam alcançadas em até cinco minutos.

Só em Minas Gerais, a Agência Nacional de Mineração (ANM) tem 360 barragens para fiscalizar. Quatro dessas estruturas correm risco de rompimento iminente, o mesmo número de fiscais que o órgão tem para dar conta do trabalho em todo o estado no momento. São 30 fiscais para cuidar de 841 barragens de mineração em todo o país e o Ministério da Economia ainda determinou um corte de 9% no orçamento da ANM, que passaria dos atuais R$ 67,5 para R$ 61,4 em 2021. Assim como o Ibama, a agência está sendo enfraquecida enquanto a boiada passa. É mais uma instrução do manual sendo seguida. Os 19 mortos em Mariana e os 270 de Brumadinho merecem mais respeito.

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Concentrações

Concentrações

Está nos autos: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso reconheceu a existência de uma “realidade imaginária paralela”. Evidências robustas atestam e dão fé à constatação. Ele, que é relator de uma ação contra o governo federal por não agir contra o avanço das mudanças climáticas, declarou em audiência que este subterfúgio vem sendo usado por quem se recusa a enfrentar a questão ambiental com dados concretos. Nesse mundo fictício, indígenas botam fogo na floresta; no real, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) certifica que em 2019, somente 7% das queimadas aconteceram em suas terras, que correspondem a 25% da região, enquanto 33% foram registrados em propriedades privadas, que somam 18%. Recuando no tempo, essa história fica ainda mais fantasiosa. Indígenas ocupam a Amazônia há pelo menos 8 mil anos. Em 1975, quando o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mediu o desmatamento na região pela primeira vez, a porcentagem era de 0,5%; em 1988, tinha pulado para 5,5% e hoje, 20%. Adivinhem quem começou a invadir a mata há 25 anos…

Quando esteve no Fórum Econômico Mundial de Davos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, usou da imaginação ao responsabilizar os mais necessitados pela encruzilhada climática em que nos metemos. Enquanto isso, um relatório recém-divulgado pela ONG Oxfam, elaborado em parceria com o Instituto Ambiental de Estocolmo, comprova que os 10% mais ricos (630 milhões de pessoas) são responsáveis por mais da metade (52%) das emissões de CO₂ do planeta. Os dados se referem ao período em que elas dobraram, entre 1990 e 2015. O 1% de pessoas mais ricas (63 milhões) foi responsável por 15% das emissões globais no período – enquanto a metade mais pobre da população emitiu apenas 7%, menos da metade. Logo, sua cota de carbono está sendo usada para uns poucos passearem de jipes de luxo – segundo o relatório, o aumento do número de veículos dessa categoria em circulação foi um dos responsáveis pela disparada nas emissões. Concentração de renda ajuda a concentração de gases do efeito estufa (GGEs) aumentar.

É fato: os mais pobres também são os mais atingidos pelas mudanças climáticas; ou seja, a maioria paga duas vezes essa conta. Hoje, os desastres climáticos também são a causa principal das migrações forçadas e obrigaram mais de 20 milhões de pessoas por ano a deixarem as suas casas na última década, segundo outro estudo da Oxfam. O texto destaca que os mais pobres, justamente “os que menos contribuíram para a poluição causada pelo CO₂ são os que estão em maior risco”. Os dados da ONG se referem ao mundo inteiro, mas dizem muito em relação ao Brasil real, em particular. O país tem a segunda maior concentração de renda do mundo, de acordo com o relatório o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da ONU. Aqui, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total – perdemos apenas para o Catar, onde 1% detém 29%.

Essa desigualdade se reflete no campo. Isso não é lenda, quem fala agora é a História com agá maiúsculo: há 170 anos, em 18 de setembro de 1850, o então imperador Dom Pedro II assinou a Lei de Terras que, em termos gerais, dividiu o campo brasileiro em latifúndios, em vez de pequenas propriedades. As consequências estão aí até hoje. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, 1% das propriedades agrícolas ocupa quase metade da área rural do país. O projeto Cortina de Fumaça, recém-lançado pela Ambiental Media, em parceria com o Pulitzer Center, através do Rainforest Journalism Fund, aponta que grandes fazendas concentraram 72% dos focos de calor nas principais áreas críticas de incêndios na Amazônia em 2019. Para se chegar ao resultado, os pesquisadores cruzaram os dados do Inpe com os do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – ou seja, somente números oficiais. Não é só em tempos de pandemia que deveríamos evitar concentrações.

Estimativas do Sistema de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima apontam que o desmatamento foi a principal fonte de emissões no Brasil em 2018, respondendo por 44% do total. O país é responsável por 3,4 % das emissões globais de GEEs. Num mundo de faz de conta esse número é pequeno, mas na dura realidade é maior que o de todos os países europeus, do Japão e da Austrália, por exemplo. Só ficamos atrás de EUA, China e Rússia. E o pior: fazemos isso dilapidando nossas maiores riquezas e arruinando a credibilidade do país no exterior – inclusive do agronegócio nacional. Em troca de quê? De acordo com uma pesquisa internacional publicada em julho na revista “Science”, 2% das propriedades agrícolas no Cerrado e na Amazônia são responsáveis por 62% do desmatamento ilegal. É essa minoria que vai nos impor o Brasil da realidade imaginária paralela?

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Piloto automático

Piloto automático

Ninguém mais anda com as próprias pernas nos caminhos da Internet. É como se você acionasse o piloto automático do avião e o instrumento decidisse fazer escalas não previstas ou o levasse ao destino que ele escolheu, não ao que você havia determinado. Parece enredo de ficção científica, mas quem diz isso são pessoas que ajudaram a criar os mecanismos – estratégias, algoritmos, inteligência artificial – da chamada “tecnologia persuasiva” que move as redes sociais. Esta máquina pode não ter sido criada com esse propósito, mas hoje está programada somente para gerar lucro, não o bem comum. Ela não tem consciência, sentimentos, ideologia ou moral e se tornou, em tempo recorde, o negócio mais lucrativo de todos os tempos. O produto que esse mecanismo vende é você. “Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software”, disse o professor emérito de estatística, design gráfico e economia política da Universidade de Yale Edward Tufte. Ela proporciona prazer e manipula opiniões para fazer dinheiro.

Assim como a indústria tabagista, que acrescentou substâncias ao cigarro para viciar fumantes, as redes sociais têm seus métodos para criar dependência. Esses expedientes são baseados em nossos desejos e sentimentos, traduzidos de nossos cliques. E não falta quem se aproveite disso para influenciar corações e mentes. O caso mais famoso é a da Cambridge Analytica, escritório do crime banido do Facebook por violar informações de 50 milhões de usuários da rede nos EUA, com a intenção de influenciar eleições mundo afora.

Recentemente, outro nome envolvido em escândalos de disseminação de fake news, o estrategista político Steve Bannon, foi preso sob acusação de fraude. Se o ministro do Meio Ambiente do Brasil acreditou que o mico-leão-dourado vive na Amazônia, por que um leigo não pensaria que as mudanças climáticas ou a Covid-19 não existem? Quando se discute em pelo século XXI o formato da Terra é porque a própria noção de verdade está em risco. No caso da pandemia, espalhar fake news tem provocado mortes. Há quem acredite que a atmosfera de polarização nas redes possa causar guerras civis, como o ex-presidente do Pinterest e ex-diretor de monetização do Facebook, Tim Kendall.

Mas a mentira tem pernas curtas e em mais de um sentido; além de lhe faltar fôlego – leia-se argumentos sólidos – o que convence o seu vizinho pode não enganar alguém que more num bairro mais afastado e tenha outro ponto de vista. Assim, pode até existir brasileiro que acredite que Pantanal e Amazônia não estejam em chamas e que há um agente da Hydra ou da Spectre infiltrado no Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe); mas essa cascata não alcança o resto do mundo. “Enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimento não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança”, diz o trecho que uma carta recebida esta semana pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que também comanda o Conselho Nacional da Amazônia, dos embaixadores de Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido e Bélgica. O documento lembra ainda que no passado, o Brasil conseguiu expandir sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o desmatamento. Os dados que comprovam isso saíram do mesmo Inpe.

As redes sociais não são uma arma. Não servem apenas para assassinar reputações e ferir a realidade. Pelo contrário, o futuro preconizado por muitos dos envolvidos no desenvolvimento delas era de que o acesso à informação e à comunicação levaria à cooperação global. E, de fato, elas também vêm desempenhando um papel fundamental na luta contra o novo coronavírus. Antes de sua chegada, foi responsável por mobilizar jovens do mundo todo na luta contra o avanço das mudanças climáticas – em movimentos como o Fridays For Future, liderado pela ativista sueca Greta Thunberg – e, aqui no Brasil, país de dimensão continentais, têm papel fundamental na construção de estratégias conjuntas de luta de povos tradicionais e movimentos sociais. Uma Gota no Oceano nasceu com essa missão: prover informação consistente, independente e atraente à população, permitindo que ela tenha condições básicas para avaliação das decisões que definem nosso futuro. Informação de qualidade é a melhor estratégia, antídoto, enfim, reposta à tempestade de mentiras que nos atinge diariamente.

Portanto, não transfira sua vida para um celular, mas também não se sinta obrigado a abrir mão totalmente de uma ferramenta tão útil. Dormir longe do aparelho é uma dica simples para começar a se livrar do vício – nos links sugeridos abaixo há outras recomendações úteis. Contra as fake news, busque informações em fontes diferentes. Antes de compartilhar uma notícia, tenha certeza de que ela é verdadeira. A imprensa profissional não é infalível, mas tem uma reputação a zelar – os maiores jornais do Brasil são centenários – e CNPJ, ou seja, precisa seguir normas e responder à Justiça. Quem cria um blog ou perfil de rede social anônimo não tem responsabilidade com nada. Esse comportamento inconsequente gerou a necessidade de criação das agências de checagem de fatos. Essas empresas de comunicação têm como objetivo desmascarar boatos e se tornaram uma ferramenta fundamental nessa guerra contra a desinformação.

O mundo já passou por grandes revoluções na área de comunicação, da invenção da imprensa à massificação da televisão, e a mentira é uma invenção mais antiga do que a escrita; mas isso nunca de forma tão avassaladora, em tão pouco tempo. E esses meios logo ganharam regulamentação, enquanto a Internet é uma espécie de Velho Oeste, onde impera a lei do mais forte. Quem ajudou a criar as redes sociais alerta ela que pode se tornar incontrolável, pois a tecnologia que a criou avança em nível exponencial, numa velocidade nunca vista na História; e a responsabilidade de lhe impor marcos civilizatórios começa por quem hoje as comanda – até porque outro de seus efeitos colaterais foi o crescimento astronômico da concentração de renda global.

A filósofa e psicóloga Shoshana Zuboff, professora aposentada de administração da Harvard Business School, foi a introdutora do conceito de trabalho mediado por computador, em 1981. Ela compara o modelo de funcionamento e de negócios adotado por essas empresas ao comércio de órgãos e de seres humanos e defende medidas radicais, em depoimento ao documentário “O dilema das redes”, de Jeff Orlowski. Se hoje essas atividades odiosas deixaram de ser legais, é porque a sociedade exigiu.

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Agências de checagem:

Aos Fatos

Agência Pública

Agência Lupa

Fato ou Fake

E-Farsas

Aos Fatos Whatsapp

AFP em Português

Estadão Verifica

Projeto Comprova

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Estamos virando plástico

Estamos virando plástico

Você provavelmente tem plástico correndo nas veias. O novo coronavírus e a incineração da Amazônia vêm ganhando as manchetes, mas não dá para esperar que o tal do “novo normal” se estabeleça para resolver um problema que pode se tornar insolúvel. Um estudo do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha e do Instituto Robert Koch encontrou vestígios de plástico em 97% do sangue e da urina de 2.500 crianças e jovens de 3 a 17 anos, coletadas entre 2014 e 2017. “Nosso estudo mostra claramente que os aditivos plásticos, que estão crescendo em produção, também estão aparecendo cada vez mais no organismo das pessoas”, disse a pesquisadora alemã Marike Kolossa-Gehring. Em outra pesquisa, da ONG Plastic Oceans International, cientistas analisaram 47 amostras de órgãos humanos e encontram microplástico e nanoplástico – fragmentos que medem de 0,001 milímetro a 5 milímetros – em todas. Cada pessoa pode ingerir – ou aspirar, já que elas também ficam em suspensão no ar – até 121 mil partículas por ano, de acordo com a Universidade de Victoria, no Canadá. Isso não embrulha o seu estômago?

Ainda não é possível mensurar com exatidão os danos que essa invasão plástica pode causar à saúde humana. Mas o estudo alemão alerta para os altos níveis de ácido perfluorooctanóico (PFOA), usado em panelas antiaderentes e em roupas impermeáveis, encontrados nas amostras. A substância pode atacar o sistema reprodutivo e o fígado – a União Europeia vai bani-lo a partir de 2021 –, enquanto outras podem causar obesidade, alterações no aparelho reprodutivo e câncer, além de atrasar o desenvolvimento de crianças. Já a pesquisa canadense adverte que também podemos ser contaminados quando consumimos produtos embalados em plástico, incluindo água mineral. Da década de 1950 até 2017 foram produzidas 8,3 bilhões de toneladas de plástico. Aproximadamente 30% desse total ainda está sendo usado, mas só 9% foi reciclado. No ano de 1950, fabricou-se 2,3 milhões de toneladas; em 2015, este número saltou para 448 milhões de toneladas e a produção poderá dobrar até 2050 – a pandemia de Covid-19 deve agravar mais ainda esse quadro, já que exige a produção de material descartável.

Segundo o Banco Mundial e a WWF, o Brasil produz 11,35 milhões de toneladas por ano de lixo plástico – fica atrás somente de EUA, China e Índia – e recicla apenas 145 mil toneladas, 1,28% do total. O mesmo estudo aponta que mais de 104 milhões de toneladas de plástico poluirão o meio ambiente até 2030. Hoje, calcula-se que entre 4,8 milhões e 12,7 milhões de toneladas do material cheguem aos oceanos todos os anos e que essa quantidade deve triplicar até 2040. Sabe-se que há uma ilha de detritos do tamanho do estado do Amazonas flutuando no Pacífico; agora, cientistas do Centro Nacional Oceanográfico, do Reino Unido, descobriram que pode haver dez vezes mais plástico no Atlântico do que se supunha, entre 12 e 21 milhões de toneladas. Todo esse lixo põe em risco a vida marinha – e a nossa, já que consumimos peixes que podem estar contaminados. No fim do ano passado, uma baleia de 10 anos foi encontrada morta na Escócia com aproximadamente 100 kg de plástico no estômago. A fabricação do material também contribui para o avanço das mudanças climáticas, já que a sua base é formada por combustíveis fósseis – não só petróleo, como gás e carvão. Um relatório da ONG Center of International Environmental Law diz que se a produção continuar crescendo nos níveis atuais, ela vai responder por até 13% da quantidade de CO₂ que o mundo pode emitir antes de passar de 1,5º C de aumento da temperatura previsto pelo Acordo de Paris.

Mas o que fazer? No ano que vem, entra em vigor na União Europeia um imposto sobre o material. Cada país do bloco terá que pagar 80 centavos de euro por quilo de plástico não reciclável. Mas não dá para parar a produção de uma hora para outra, segundo um estudo da Universidade Heriot-Watt, no Reino Unido. Substituir os plásticos por vidro e metal aumentaria o consumo de água e energia. Já a reciclagem é um excelente negócio: uma tonelada de plástico reciclado significa uma economia de 5.774 kWh de energia e 16,3 barris de petróleo, de acordo com a Universidade de Stanford, nos EUA. Outra opção é investir pesado em pesquisa de materiais de origem orgânica, biodegradáveis, como o leite, a mandioca e o bagaço de cana-de-açúcar. A Unicamp está desenvolvendo um plástico à base de amido e gelatina que, além de biodegradável, é comestível. Segundo a ONG Ocean Cleanup, as redes de pesca respondem por 46% da poluição marinha por plásticos. Hoje feitos de nylon, esses utensílios antigamente eram manufaturados com materiais como grama, linho, fibras de árvores e algodão. A solução pode estar no passado.

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Canudos não são maior problema: redes de pesca geram 46% do plástico nos oceanos

Por que os animais marinhos comem plástico?

Curimba de plástico – Mais de 70% desses peixes têm fragmentos do material no sistema digestivo

Poluição de plástico nos oceanos triplicará até 2040, aponta estudo

Bangladesh vive surto de mortes de tartarugas por ingestão de plástico

Tartarugas são atraídas pelo cheiro do plástico podre

Baleias do Atlântico têm altos níveis de químicos procedentes do plástico

Como o plástico acelera o aquecimento global

5 curiosidades sobre o plástico que vão te surpreender

Enquanto o continente é soterrado pelo lixo, a indústria do plástico segue crescendo

União Europeia implantará ‘imposto do plástico’ a partir de 2021

Reciclagem química pode resolver gargalo dos plásticos

Plástico sustentável e comestível é desenvolvido por pesquisadores da Unicamp

Embalagem brasileira que substitui plástico por fibra de coco é finalista em desafio mundial de sustentabilidade

Empresa francesa faz plástico biodegradável utilizando leite

Bagaço da cana-de-açúcar pode ser matéria prima para produção de plástico

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