O garimpo ilegal existe, o que não existe é governo

O garimpo ilegal existe, o que não existe é governo

Alessandra Korap, liderança Munduruku

O governo nega o desmatamento na Amazônia, o fogo no Pantanal, a crise econômica, as mudanças climáticas, o racismo estrutural e até mesmo a gravidade da pandemia do novo coronavírus. Esse negacionismo revela uma grande verdade: o que não existe no Brasil é governo. O país se move a iniciativas da sociedade. Só sabemos que mais de 170 mil brasileiros perderam a vida para a Covid-19 graças ao consórcio de veículos de imprensa; e quantos dos nossos se foram, porque a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) faz uma contagem independente, que se tornou uma referência reconhecida. Nas periferias das grades cidades são os movimentos sociais que fazem o trabalho do poder público. Enquanto isso, o Ministério da Saúde deixa estragar num armazém qualquer quase sete milhões de testes, que poderiam ter salvado milhares de pessoas.

Até 30 de novembro, 15 Munduruku haviam morrido de Covid-19. Não foram muitos mais porque o convívio forçado de mais de 500 anos com organismos invasores nos fez criar nossos próprios protocolos. Mas estamos indefesos contra outro mal, ainda mais perigoso e duradouro: a contaminação por mercúrio, causada pelo garimpo ilegal. Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o WWF-Brasil revelou que todos nós, Munduruku que vivemos às margens do Rio Tapajós, carregamos o metal no sangue. Esta tragédia começa bem antes deste governo, é consequência de 70 anos de atividade ilegal, é verdade; mas sua negação em enfrentar o problema – ou ao menos reconhecer sua existência – serve de incentivo aos que invadem os territórios onde vivemos. Quando quebra um termômetro, o mercúrio se espalha. Funciona assim no momento em que o Executivo acena para a regulamentação da mineração em terras indígenas.

O metal está no peixe que comemos, na água que consumimos, e afeta principalmente os rins, o fígado, o aparelho digestivo e o sistema nervoso central. Ainda que nos afastássemos do Tapajós, ele continuaria se espalhando por gerações, pois também contamina o leite materno. Uma dor que passa de mãe para filha. Foram detectados em amostras de cabelo níveis até quatro vezes maiores que os permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), inclusive em crianças pequenas. Na Aldeia Sawré Aboy, nove em cada dez pessoas avaliadas apresentaram níveis de mercúrio acima do considerado seguro.

O Tapajós tem quase dois mil quilômetros de comprimento. Nasce no Mato Grosso, da junção de dois outros grandes rios, o Juruena e o Teles Pires, e atravessa o Pará até desembocar no Amazonas. Em sua foz fica Santarém, a segunda maior cidade paraense. Portanto, o problema não é só nosso. E também não se resume ao Tapajós: o drama dos Yanomâmi é conhecido mundialmente. Em 2015, cansamos de esperar o governo cumprisse o seu dever e nós mesmos demarcamos, usando dados da Funai, os limites da Terra Indígena Sawré Muybu, onde foi realizada a pesquisa da Fiocruz e da WWR-Brasil. Para enfrentar o garimpo ilegal, precisamos de toda ajuda possível. Se o governo se finge de morto, a sociedade civil precisa se mostrar mais viva do que nunca.

#GarimpoIlegal #Desmatamento #Amazônia #PovosIndígenas #Mercúrio #Munduruku #Yanomâmi #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

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Mudar é preciso

Mudar é preciso

O novo coronavírus nos trouxe muita dor e duras lições. Escancarou a realidade e indicou uma luz no fim do túnel: ainda que por um instante, quando fomos obrigados a nos recolher, o ar que respiramos se tornou mais puro, rios e mares ficaram mais limpos, os animais selvagens se sentiram mais livres. Até a Terra ficou mais silenciosa. Logo, duas coisas ficaram claras para todo mundo: que tínhamos responsabilidade direta sobre a enrascada em que nos metemos, mas que também ainda havia tempo de sair dela. Quer dizer, para quase todo mundo. Depois de três meses consecutivos de queda no desmatamento da Amazônia, ele voltou a disparar em outubro. E, diferentemente de previsões iniciais, foi ainda maior em 2020 que em 2019. O Brasil está girando ao contrário do resto do planeta?

Mais de 11 mil km² de floresta foram abaixo entre agosto de 2019 e julho deste ano, 9,5% maior que no mesmo período anterior, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). É a maior devastação desde 2008, quando 12.911 km² de verde foram perdidos. Aquele ano foi um ponto fora da curva do período em que o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) reduziu em 83% – entre 2004 e 2012. O vice-presidente Hamilton Mourão, com o conhecimento de causa de quem ora preside o Conselho Nacional da Amazônia, reconheceu: “Podia ser pior ainda”. Sua expectativa era a de um aumento de 20%, o que daria 12.154,8 km² de floresta a menos; ou seja, um número ainda mais próximo da área desmatada em 2008. A diferença é que naquela época houve reação e ele foi reduzido para 7.464 km² em 2009, e continuou caindo nos anos seguintes. E o que há de concreto para o próximo ano é um orçamento ainda mais apertado. As previsões de Mourão para 2020 podem se concretizar em 2021.

O desmatamento corresponde a 44% de nossas emissões de CO₂. Enquanto outros países precisam se virar nos 30 para cumprir suas metas ambientais, o Brasil poderia se dar ao luxo de ficar de boas, bastava não derrubar árvores desnecessariamente. Mas o governo tem agido ao contrário quando deixa ruir a política ambiental do país – afrouxando a regulamentação, enfraquecendo os órgãos de fiscalização, tratando criminosos com excessiva compreensão, deixando a boiada passar. Enquanto aumentou a destruição da floresta, as multas do Ibama caíram 42%. O ministro do Meio Ambiente parece encarar os cortes no orçamento de sua pasta como uma bênção.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, já anunciou que o país vai retomar o caminho do desenvolvimento sustentável. Na última reunião do G20, a União Europeia se comprometeu em promover uma reforma sustentável na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Estamos trabalhando para fazer respeitar o Acordo de Paris como parte essencial de todos os futuros acordos comerciais”, disse o belga Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. Em 2009, o Brasil se comprometeu em reduzir o desmatamento na Amazônia Legal a 3 mil km² em 2020. Entregamos quatro vezes a mais do que isso. Já foi provado que mudar é possível. O governo brasileiro tem de se convencer de que é preciso.

#Desmatamento #MeioAmbiente #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

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Boi-bombeiro e Boitatá

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O conto varia de um lugar para o outro, mas a essência da história é a mesma: um espírito incandescente toma conta das matas e espanta aqueles que nelas querem atear fogo ou causar destruição. O Boitatá muda de forma, mas a mais comum é a de uma grande cobra feita de chamas com brilho azulado. Ele persegue aqueles que fazem mal à natureza, cegando-lhes. O primeiro registro escrito da lenda é do jesuíta José de Anchieta, em uma carta assinada por ele em 1560. O folclore se relaciona a um fenômeno natural explicado pela ciência: fogo-fátuo é uma chama azulada e efêmera produzida pela combustão espontânea de gás metano em pântanos ou lugares úmidos onde há muita concentração de matéria orgânica em decomposição.

Praticamente cinco séculos depois de padre Anchieta está difícil para o Boitatá vencer a concorrência. Hoje outros mitos tomam conta do Brasil. Há quem acredite que a Amazônia não está sendo desmatada e que o Pantanal não está em chamas. Numa cegueira seletiva, fingem não ver o encolhimento do Cerrado ou o desequilíbrio climático que afeta todo o planeta. Falando nele, há os que dizem ser plano. Nega-se o racismo estrutural enraizado em nossa história. E, diante das imagens de covas comunitárias, há até mesmo os que relativizam a gravidade da pandemia de Covid-19. É tanto negacionismo que a gente chega a questionar a própria existência.

Em Brasília, as dúvidas se aprofundam. Ainda mais quando o assunto é meio ambiente. Existe uma política pública para cuidar da natureza (ou seria lenda)? Em 2019, o Ministério do Meio Ambiente tinha à disposição mais de R$ 10 milhões para combate às mudanças climáticas, mas só 13% foram usados; e dos R$ 3 milhões que iriam para a conservação e o uso sustentável de nossa biodiversidade, apenas 14% se converteram em ações concretas. Os dados são do relatório anual da Controladoria-Geral da União.

O ano virou e as proporções se tornaram ainda menores, segundo aponta o Observatório do Clima, em levantamento feito a partir dos dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento. Nos primeiros oito meses de 2020, o ministério tinha à disposição cerca de R$ 26,5 milhões para ações de prevenção, mas só usou 0,4% do dinheiro disponível. Do montante de R$ 1,388 milhão que deveria ser usado para cuidar de nossa biodiversidade, 96,4% permaneceram intocados; e dos mais de R$ 6 milhões que deveriam ser utilizados em fomento a pesquisas relacionadas às mudanças climáticas, nem um único tostão foi investido. O dinheiro está lá, mas não se converte em ações práticas. Seria este o orçamento de Schrödinger?

A justificativa oficial foi que “o ministério alterou seu planejamento estratégico, sua estrutura e suas prioridades orçamentárias, com prioridade para recursos destinados aos programas de Qualidade Ambiental Urbana: resíduos sólidos, saneamento e qualidade do ar”. Se buscamos qualidade ambiental urbana acima de tudo, porque só 6% dos R$ 6,5 milhões disponíveis para a área foram investidos?
Outro que parece nunca ter existido é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Mas não é lenda. No início deste século, nossa voracidade em relação ao verde tinha chegado a níveis pantagruélicos. Em 2004, inacreditáveis 27.772 km² de floresta foram abaixo. O plano se concretizou e o Brasil conseguiu reduzir em 83% a devastação na região entre aquele ano e 2012. Isso só foi possível porque houve um esforço em conjunto da sociedade brasileira, agronegócio incluído.

Já se sabia naquela época e repetimos hoje: preservar a natureza não é gasto, é investimento. Só em outubro de 2020 foram destruídos 7.899 km² de Amazônia, 50% a mais que no mesmo mês do ano passado, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Pagaremos muito mais caro depois.

Se não há investimento, então o que se propõe como solução prática para controlar o fogo? Uma das propostas é aumentar o espaço de criação de gado nos limites das reservas naturais para “reduzir o acúmulo de massa orgânica”. É claro! É só transformar a floresta em pasto que não tem mais incêndio, dizem eles. Não é assim que funciona? Respondemos: Não, não é.

Vejamos o Pantanal como exemplo. Há dois pontos que mostram a falácia. O primeiro é que o rebanho bovino no Pantanal cresceu nos últimos anos. Ou seja, se o boi é bombeiro, ele não está fazendo bem o seu trabalho, porque o número de focos de incêndio também aumentou. O segundo ponto é a conclusão da perícia na Reserva Natural do Sesc Pantanal: a causa do incêndio foi dada como queima intencional de vegetação desmatada para criação de área de pasto para gado em uma fazenda na região que entrou para a área da reserva. Mais uma vez, a ciência derruba a lenda.

O boi-bombeiro o boitatá às avessas. Não afasta os homens que querem destruir a natureza, antes pelo contrário, ele mesmo traz consigo o desmatamento. Aonde chegaremos se levarmos mitos ao pé da letra?

#Pantanal #Amazônia #Desmatamento #Queimadas #MeioAmbiente #MudançasClimáticas #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Saiba mais:
G1 – Por que a teoria do ‘boi bombeiro’ no Pantanal, citada pela ministra da Agricultura, é mito

Estadão – Bolsonaro volta a defender o ‘boi-bombeiro’ para apagar fogo do Pantanal

Governo de Mato Grosso – Perícia constata que incêndio em reserva no Pantanal foi provocado por ação humana

O Globo – Governo gastou, em 2019, cerca de 70% a menos com ações de combate ao racismo em relação ao ano anterior

G1 – Ministério deixa de usar maior parte da verba para preservação ambiental, diz CGU

G1 – Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% da verba para preservação, diz levantamento

Valor Econômico – Política ambiental, o que o orçamento mostra e promete

BBC Brasil – Ibama paralisa combate a incêndios alegando falta de caixa, mas 15% do orçamento não foi usado

El País – Dióxido de carbono na atmosfera baterá novo recorde em 2020 apesar da pandemia

Valor Econômico – UE dirá no G-20 que quer reforma “verde” na OMC

Folha de São Paulo – Brasil trava preparo do acordo de biodiversidade da ONU

G1 – Novo site do Ministério do Meio Ambiente não tem informações sobre áreas protegidas

O Globo – ‘Não esperamos nada de positivo do governo, mas jamais vamos desistir’, diz líder indígena brasileira que recebeu prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos

A chama que não se apaga

A chama que não se apaga

Depois da tempestade vem a bonança. Infelizmente, na vida real, as coisas nem sempre saem como no ditado. O exemplo mais recente é o caso dos quilombolas do Amapá: após um incêndio na principal subestação de energia do estado, no último dia 3, eles viram o já precário fornecimento de luz se tornar ainda pior. Catorze dias depois, um novo blecaute agravou a situação. Tudo isso no mês da consciência negra, que celebra a importância de pretos e pardos para o país e propõe uma reflexão em relação ao racismo que resiste em nossa sociedade.

Se antes os quilombos do Amapá chegavam a sofrer no mesmo mês até quatro blecautes que duravam alguns dias, a escuridão desta vez se prolongou por uma semana em lugares como Conceição do Macacoari. As 40 famílias que vivem na comunidade foram forçadas a fazer uma viagem no tempo. Trocaram lâmpada por lamparina e água encanada por água de poço. Diante deste cenário, a Anistia Internacional lançou uma mobilização exigindo que autoridades dos governos tomem providências em relação a esta situação.

Um ingrediente pode tornar especialmente devastador o efeito do apagão nestas comunidades: a pandemia. O Amapá só perde para Rio de Janeiro e Pará em número de quilombolas mortos por Covid-19. Quando a comparação é feita entre municípios, Macapá (com 15 casos) só fica atrás da capital fluminense, que tem 30. Os números são da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que mantém por conta própria um monitoramento. Entretanto, a organização admite que a quantidade de infectados é bem maior. “Quando adoece uma pessoa, não tem serviço de testagem ampla para a gente saber, naquele raio, quem mais se contaminou”, explica a educadora Givânia da Silva em vídeo compartilhado pela entidade no Instagram.

Um estudo da Universidade Federal do Amazonas apontou que a taxa de mortalidade do novo coronavírus entre os quilombolas de 5 estados da região é de 11,5%. É quase quatro vezes a média de 3% verificada pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional. Um olhar menos atento poderia entender que se trata de um vírus racista. Porém, não precisa ser um expert para saber que microrganismos infecciosos desconhecem tons de pele.

De acordo com a pesquisa, na prática, é a desigualdade gerada por racismo que favorece a maior propagação do Sars-Cov-2. Esta desigualdade se reflete na dificuldade de acesso à água tratada, na falta de uma rede de esgoto e ou de coleta de lixo, na deficiência de políticas de prevenção e atenção, e mesmo na distância dos centros urbanos que, no passado, protegeu esses territórios e hoje pode atrapalhar. A distorção afeta até a distribuição da ajuda, quando ela existe. Sem energia e internet, muitos quilombolas não conseguiram pedir auxílio emergencial, por exemplo.

Os problemas não se limitam ao Amapá. Em todo o Brasil, 4.635 casos de Covid-19 foram contabilizados pela Conaq em 19 estados até o último dia 11. São histórias com nome e sobrenome, como Cirilo Araújo Brito, patriarca da comunidade do Grotão, em Goiás, que morreu no último dia 23.

Numa entrevista concedida em 2017, Cirilo contou que, na sua infância, as crianças tinham obrigação de acompanhar a conversa dos mais velhos para que pudessem passá-las adiante. Este hábito deixou de ser comum e revela um dos impactos da perda de anciãos nestas comunidades. Quando um deles morre, um pouco da trajetória de cada povo some junto. “A história quilombola e a indígena, ela é muito oral, é muito da memória. Então, a gente perdeu a pessoa, perdeu a história e perdeu parte da memória daquela comunidade”, lembra Givânia.

Entre os especialistas, o clima é de preocupação. A negligência em relação aos territórios durante a pandemia “pode vir a representar o maior genocídio da população quilombola no Brasil desde o período escravocrata”, escreveu Eduardo Rodrigues Santos, sociólogo da Universidade Nacional de Brasília, no artigo “Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras”.

Com quase 500 anos de luta, os quilombolas já não esmorecem mais diante de ameaças como a redução no reconhecimento de territórios por parte do governo federal. Em 2018, foram 144 áreas reconhecidas. Já no ano passado, só 70. O que as comunidades têm feito é buscar novas estratégias, como a eleição de um prefeito, um vice-prefeito e 54 vereadores em 2020. Para quem se define a partir de um espaço que é fruto da busca pela liberdade, a coragem nunca foi uma qualidade – mas sempre um pré-requisito.

#Amapá #Coronavírus #Covid19 #Apagão #Energia #Quilombos #PovosTradicionais #Racismo

Saiba mais:

Anistia Internacional – Amapá pede socorro! Pressione as autoridades

G1 – Laudo inicial descarta que raio tenha causado incêndio que provocou apagão no Amapá

Folha – Macapá pode ficar até 15 dias sem luz após incêndio em subestação

G1 – Amapá tem novo apagão total

Portal Cultura – Dia da Consciência Negra: entenda o significado da data

Portal Geledés – O que é Consciência Negra?

Folha – Com apagão no Amapá, quilombolas perdem carne, peixe e polpa de fruta

Conaq e ISA – Quilombo sem Covid-19

Conaq (instagram) – Covid-19 nos quilombos

Ufam – Amazônia concentra recorde de mortes de quilombolas por covid-19

Ministério da Saúde – Painel Coronavírus

Conaq (instagram) – Cirilo Araújo Brito

Universidade Federal do Tocantins – A formação socioterritorial da comunidade remanescente de quilombo Grotão

Revista do CEAM – Necropolítica, coronavírus e o caso das comunidades quilombolas brasileiras

Nexo – A covid-19 nos quilombos. E a cobrança por ações do governo

O Globo – Quilombolas elegeram 56 representantes na eleição de ontem em dez estados — um recorde

A natureza do voto

A natureza do voto

Se a eleição é a festa da democracia, com que roupa a gente vai? Atualmente, muitos ainda não sabem o que vão vestir. É o que aponta um levantamento do Datafolha. Em cidades como Rio de Janeiro, a pesquisa revela que quase um terço dos eleitores não tinha um candidato favorito a cinco dias da votação. Esta indefinição não é privilégio do cenário eleitoral. Ela se repete em relação à preservação do meio ambiente. Divulgado em 05 de novembro, um levantamento da Confederação Nacional da Indústria indicou que só metade dos brasileiros se veem diretamente afetados pelos problemas ambientais, que poderão ter diferentes desdobramentos de acordo com os prefeitos e vereadores mais votados nestas eleições.

Apesar do cardápio variado de recursos à disposição, os governantes ainda saem mal na foto quando o assunto é preservação de ecossistemas. Dados de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS) apontavam que 50 milhões de brasileiros não tinham acesso a um serviço de recolhimento de lixo e 100 milhões viviam em municípios que não contavam com rede de esgoto.

São problemas que estão literalmente batendo na porta das autoridades e já passaram da hora de serem resolvidos. “Hoje, se você olhar as principais cidades do Brasil e do mundo, elas estão de costas para o rio. É como se o rio deixasse de ter importância e passasse a ser algo secundário na vida das pessoas”, já comentou sobre o tema o biólogo João Paulo Capobianco, presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade, em 2018, no Dia Mundial da água, durante o lançamento da campanha “Em nome de quê?”, desenvolvida por Uma Gota no Oceano em parceria com a Operação Amazônia Nativa (Opan). Você já parou para avaliar qual importância seus candidatos dão à natureza de seu município? E sabe o que eles podem fazer por ela?

Vereador e prefeito são como os 2 ponteiros de um mesmo relógio. O trabalho de um não faz sentido sem a colaboração do outro. Enquanto a Câmara elabora as leis e fiscaliza as ações do prefeito, o gestor aprova ou veta as regras propostas pelos legisladores e define onde serão aplicados os recursos. Desta colaboração saem decisões com alto impacto em nossas vidas e que podem ajudar a proteger (ou a destruir) a natureza. Elas vão dos projetos de agricultura familiar da prefeitura ao tipo de merenda servida nas escolas da cidade.

Se um município cuida de seus mananciais, evita que a paisagem seja alterada e dá a destinação adequada a seu lixo, o meio ambiente prospera e a qualidade de vida da população aumenta. Um estudo da Universidade da Califórnia mostrou, por exemplo, que morar perto de áreas verdes gera benefícios para saúde mental de adultos e adolescentes. Ideias do tipo estão por trás da chamada Economia Verde, que propõe o uso consciente dos recursos naturais e já inspira alguns governantes. Em São José dos Campos, por exemplo, um programa criado em 2012 paga a quem mantém e restaura a vegetação na região do Rio do Peixe. Assim, o local alcançou a conservação de 500 hectares de floresta e o plantio de mais de 80 mil mudas.

Da mesma forma, quando uma cidade vai na contramão e atropela a natureza, a vida selvagem não é a única prejudicada. Nós também somos afetados, já que nossa sobrevivência está diretamente ligada ao contexto a nossa volta. O maior exemplo disso é a pandemia de Covid-19, doença que bateu a marca de 50 milhões de pessoas contaminadas em todo o mundo e que teve origem atribuída à degradação ambiental, segundo a ONU.

“Quando se desmata e se perde a biodiversidade, o vírus, que tinha o seu hospedeiro natural, vai procurar outro organismo para viver e se adaptar. Na falta de outras espécies, eles chegam até os humanos”, explicou em entrevista Rubens Benini, líder da estratégia de restauração florestal da ONG The Nature Conservancy. Só no Brasil, o Ministério da Saúde já repassou cerca de R$ 17 bilhões às prefeituras nos esforços para atender os doentes.

Mais do que apenas protegerem ecossistemas, as políticas ambientais têm efeitos positivos para todos os setores. E é importante lembrar que não falamos apenas de áreas urbanas. Na região rural dos municípios da Amazônia, cada hectare dedicado ao cultivo de açaí, cacau ou castanha rende hoje US$ 12.400 por ano, valor 20 vezes maior que o verificado em uma área do mesmo tamanho dedicada à pecuária. A grande diferença é que as plantações demandam menos espaço e não exigem a derrubada da floresta. Já no Centro-Oeste, um estudo apontou que fazendas de soja poderiam economizar R$ 1,24 milhão por safra se mantivessem a vegetação nativa do Cerrado e, com isso, diminuiriam os gastos com erosão.

Ao contrário do que muitos ainda pensam, conservação do meio ambiente e crescimento econômico não concorrem entre si. Se forem capazes de enxergar isso, os próximos prefeitos e vereadores prestarão um imenso serviço não só à natureza, mas à sociedade brasileira.

#Eleições2020 #VotePelaNatureza #Democracia #MeioAmbiente #Natureza #UmaGotaNoOceano #CadaGotaConta

Leia mais:
Folha – Paes amplia vantagem sobre Crivella, que tem 62% de rejeição no Rio, mostra Datafolha

Estadão – Desafio brasileiro ainda é ligar preservação do meio ambiente à rotina

Ministério do Desenvolvimento Regional – Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (2018)

Uma Gota no Oceano – Em nome de quê? | Desafio para preservação dos nossos rios

Tribunal Superior Eleitoral – Eleições 2020: você sabe o que faz um prefeito?

Tribunal Superior Eleitoral – Vereador: conheça o papel e as funções desse representante político

Aliança Pela Alimentação Adequada e Saudável – É dever da prefeitura e Câmara Municipal garantir que as escolas da cidade sejam ambientes livres de ultraprocessados

Instituto Centro Vida – Quais perguntas você deve fazer para seu candidato?

Ipea – Economia verde e o desenvolvimento sustentável

ScienceDirect – Green space and serious psychological distress among adults and teens: A population-based study in California

Programa Internacional de Cooperação Urbana – Programa Pagamento por Serviços Ambientais

Uol – Mundo ultrapassa 50 milhões de casos confirmados de covid-19

UN Environment Programme – Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA

Veja – Dia do Meio Ambiente: pandemia reforçou necessidade de proteger a natureza

Ministério da Saúde – Transferências financeiras do Ministério da Saúde para os estados e municípios, no âmbito do combate à COVID-19

Açaí, cacau e castanha são mais rentáveis que pecuária e soja na Amazônia, diz Carlos Nobre

Manter vegetação nativa no cerrado gera economia de R$ 1,24 milhão por safra, diz estudo

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