A verdadeira rede mundial

setembro 2021

Eram as plantas internautas? A tese foi comprovada em 1997, mas só recentemente a chamada rede micelial deixou os subterrâneos onde se esconde e começou a ganhar os holofotes. Naquele ano, Suzanne Simard, professora da Universidade de British Columbia, no Canadá, conseguiu demonstrar que bétulas e abetos (duas espécies de árvores) trocavam nutrientes por meio dessa conexão invisível aos olhos humanos. E não só isso: em 2010, Ren Sem Zeng, pesquisador da Universidade de Agronomia do Sul da China, descobriu que, graças a essa internet da natureza, elas também se comunicavam. Esse papo é possível graças ao micélio, um labirinto de fibras minúsculas que formam cogumelos e outros tipos de fungos, e por onde se alimentam. Uma espécie de delivery.

Essas redes se estendem por quilômetros, e aproximadamente 90% da flora terrestre mantêm essa conexão simbiótica com os fungos. Graças a ela, ecossistemas inteiros se autopreservam. As árvores maiores ajudam a alimentar as plantas bebês e as mais velhas e se unem contra inimigos em comum, como parasitas e ervas daninhas. Como elas fazem isso? A ciência ainda não conhece a resposta, mas sabe que ela prova a teoria de que florestas são gigantescos organismos. E esses organismos podem, inclusive, ser dotados de consciência. E, por que não dizer, o planeta inteiro? O astrofísico e divulgador científico Neil deGrasse Tyson defende essa hipótese em “A busca por vida inteligente na Terra”, episódio de “Cosmos: mundos possíveis”, série da National Geographic. Parece ficção científica, né?

Tanto que a descoberta levou a imaginação de muita gente onde nenhum homem jamais esteve. Na última série da franquia “Star trek” (“Jornada nas estrelas”), a nave estelar Discovery se desloca à velocidade do pensamento, conectando-se a uma rede micélios e esporos que cobriria todo o Universo. Mantendo os pés no chão, hoje se estuda a possibilidade de usar o micélio, que é 100% sustentável e abundante – fungos crescem em velocidade espantosa –, na confecção de novos tecidos, materiais de construção e até mesmo satélites artificiais biodegradáveis. O céu não é o limite.

Por outro lado, pensar que a Amazônia é um grande ser vivo nos faz sentir ainda mais sua destruição, quase ouvir seus gritos de dor. Um recém-divulgado relatório do Botanic GardensConservation International alerta que 30% das espécies de árvores do mundo – cerca de 17,5 mil – correm risco de extinção. O Brasil só perde para Madagascar em número de variedades ameaçadas.

E, para piorar, um estudo internacional publicado na semana passada na revista “Nature” estima que 95,5% das espécies de plantas e animais da maior floresta tropical do mundo foram afetados pelos incêndios que destruíram 190 mil km² de mata entre 2001 e 2019. A pesquisa também calcula que 85% das espécies ameaçadas de extinção viram seus habitats serem consumidos pelo fogo. Será que nem as perdas econômicas, decorrentes desse massacre verde, sensibiliza essa gente desalmada?

Neil deGrasse Tyson defende a ideia de que outras espécies de seres vivos fazem parte dessa rede simbiótica, além de fungos, vegetais e bactérias. O homem autodenominado civilizado se deu conta há apenas dezenas de anos, mas aqueles que vivem na Amazônia sabem há milênios que os povos originários da região ajudaram a cultivá-la.

Por causa dessa simbiose, indígenas e suas terras são indissociáveis: um não existe sem o outro. Gene Roddenberry (1921-1991), criador do “Star trek” original, era um escritor visionário, e a primeira diretriz da Federação dos Planetas Unidos que imaginou era a não interferência em outras culturas, que deveriam se desenvolver sozinhas. Ele sabia que todo o Universo teria a ganhar com a diversidade de conhecimento.

O mundo precisa da Amazônia e, por isso, precisa também dos saberes daqueles que vivem conectados e em harmonia com ela. Entenderam por que enterrar definitivamente teses anti-indígenas como a do “marco temporal” é vital não somente para aqueles povos, mas para toda a Humanidade?

Saiba mais: 

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Plantas se comunicam e ‘brigam’ usando ‘internet de fungos’

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