A floresta no limite

novembro 2024

Após os resultados insatisfatórios da COP 29, principalmente em termos de financiamento climático, os olhos do mundo já se voltam para o Brasil, que sediará a COP 30 em 2025, em plena Amazônia, em Belém do Pará. A próxima Conferência do Clima recebe como herança uma responsabilidade ainda maior de pressionar os países para atingirem metas de financiamento mais condizentes com a realidade da emergência climática que o mundo enfrenta. Até lá, é importante que o país trabalhe para fortalecer suas próprias iniciativas de adaptação, mitigação climática e transição energética, principalmente na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que já se encontra num limite perigoso para sua sobrevivência e a dos povos que a habitam.

Ainda durante a COP, foi justamente este o tema da mesa apresentada pela Gota e seus parceiros, com a participação de lideranças indígenas e cientistas. Com o título de “Infraestrutura sustentável na Amazônia: caminhos para a transição energética e ecológica”, o painel contou com a presença de Alessandra Munduruku (na foto), presidente da Associação Indígena Pariri; Sineia do Vale, liderança do povo Wapichana, de Roraima, e co-presidente do Caucus Indígena na COP; a cientista Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM; o gerente de projetos do IEMA, Ricardo Baitelo; e Cleidiane Vieira, representando a Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

O debate girou em torno da necessidade de se estabelecer uma infraestrutura que seja sustentável para a Amazônia, incluindo sempre a perspectiva dos povos locais e já considerando a adaptação aos graves efeitos da crise climática. Por dois anos seguidos, 2023 e 2024, a região amazônica viveu uma crise humanitária, hídrica e de logística causada pela seca extrema dos rios, o calor intenso e o aumento das queimadas. O receio é que a floresta atinja um ponto irreversível de destruição e não consiga mais se recuperar.

“Precisamos realmente começar a nos planejar para enfrentar diretamente a mudança climática. Nós (povos indígenas) somos parte dessa solução, mas se esta variação no clima continuar ocorrendo, sabemos que não temos o poder de fazer o rio se encher novamente de água”, ressaltou Sinéia do Vale, que também atua como coordenadora do Comitê Indígena das Mudanças Climáticas (CIMC) no Brasil.

A cientista Ane Alencar apresentou dados alarmantes sobre os incêndios registrados no Brasil neste ano: de 27 milhões de hectares queimados de janeiro a outubro, 55% foram só na Amazônia. Segundo Ane, especialista em estudos sobre fogo, a infraestrutura disponível para o uso do solo pela agricultura no país precisa levar em conta que o clima já mudou e a temperatura na Terra não é mesma.

Outro tema abordado durante a mesa foram as consequências da instalação de usinas hidrelétricas na Amazônia, com inúmeros impactos de violação de direitos e exclusão social, beneficiando pouco quem vive na região e desconsiderando as mudanças climáticas. Segundo Ricardo Baitelo, a melhor infraestrutura de energia para a região não tem a ver com a geração e distribuição nos moldes atuais. O investimento em energia solar e eólica, segundo ele, é uma boa alternativa que vem ocorrendo no Brasil, principalmente para melhorar os índices socioeconômicos no Norte do país e democratizar o acesso à saúde educação.

“As hidrelétricas foram feitas para atender a demanda de geração de energia do país, nunca para atender a demanda dos povos”, completou Cleidiane Vieira.

Além das hidrelétricas, a construção de ferrovias e estradas, mineração, expansão de hidrovias e portos, exploração de gás e monopólios da agropecuária previstos para a região amazônica são vistos como sérias ameaças à floresta e seus habitantes, já que passam por cima dos direitos e das terras dos povos tradicionais.

Lembrando que esses povos precisam ser consultados em qualquer projeto para a região, Alessandra Munduruku foi enfática: “A gente não precisa da riqueza da mineração, de crédito de carbono, mas sim da riqueza do conhecimento, do rio limpo, da floresta em pé”, disse ela, criticando especificamente a ferrovia Ferrogrão, projetada pelo governo federal para rasgar quase mil quilômetros de floresta amazônica entre Sinop, de Mato Grosso, e Miritituba, no Pará – atingindo unidades de conservação e terras indígenas para escoar milho e soja do agronegócio do Centro-Oeste até as saídas portuárias pelo Rio Amazonas rumo ao Atlântico.

Os impactos da ferrovia devem atingir em cheio as terras do povo Munduruku situadas no Médio Rio Tapajós, já prejudicadas por hidrovia, portos, invasão de territórios e garimpo ilegal. “Não adianta o governo falar sobre mudanças climáticas e liberar mineração e a Ferrogrão. Só no Rio Tapajós há 41 portos planejados e 27 já em operação. Vários rios e igarapés estão sendo destruídos para tirar ouro. Não comemos ouro, comemos peixe, raízes, frutos”, criticou Alessandra, finalizando: “Não tem planeta dois”.

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