dezembro 2025

COP30 na Amazônia: da COP Indígena ao freio do metano, futuro em disputa

Por Maria Paula Fernandes*

A Amazônia está perigosamente próxima de seu ponto de não retorno. Cientistas alertam que o desmatamento e a degradação já ameaçam colapsar os sistemas que regulam chuvas, temperatura e biodiversidade em todo o hemisfério sul. Esse risco torna urgente cada negociação climática: não se trata apenas de compromissos diplomáticos, mas da sobrevivência de um bioma que sustenta a vida no planeta.

Receber a COP30 em Belém significou reconhecer essa urgência. Foi admitir que não há futuro climático sem os povos que defendem a floresta e sem os territórios que sustentam a vida. Belém mostrou que a agenda climática não pode ser conduzida apenas por tecnocratas ou grandes corporações. A pluralidade de vozes foi incorporada como parte da solução: indígenas, quilombolas, juventudes, cientistas, movimentos sociais e sociedade civil tiveram espaço para moldar os caminhos da transição. A presidência da COP adotou a lógica de Mutirão, reforçando que democracia e participação coletiva não são apenas valores abstratos, mas ferramentas concretas para enfrentar a crise ambiental.

Para a Gota, participar desta edição representou a síntese de uma trajetória construída com coerência e convicção. Desde Paris, na COP21, sempre estivemos lado a lado com os povos da floresta, apoiando sua inserção nos espaços multilaterais. Belém foi o ponto de virada: a consolidação de uma presença indígena inédita e estruturada. Nossa missão é clara: irrigar informação consistente, independente e envolvente para semear reflexão e colher transformação.

A obstinação da ministra Sonia Guajajara garantiu 900 lideranças indígenas fossem credenciadas na Zona Azul, mesmo diante da redução de credenciais pela UNFCCC, a maior delegação indígena já registrada em uma COP. Nos textos oficiais, os direitos territoriais foram finalmente reconhecidos e o direito à consulta prévia, livre e informada reafirmado. Esse resultado não surgiu do acaso: foi fruto de uma preparação política consistente, que incluiu o programa Kuntari Katu, responsável por formar diplomatas indígenas, e o ciclo COParente, que percorreu os estados brasileiros fortalecendo a capacidade de incidência nos espaços multilaterais.

A presença quilombola também alcançou um novo patamar. Com a CONAQ, a trajetória iniciada no Egito e consolidada em Cali avançou em Belém, onde os documentos finais mencionaram pela primeira vez os afrodescendentes e a defesa de seus territórios. Esse reconhecimento representou um marco simbólico e político: os quilombos foram inscritos de forma inédita na agenda climática global, reforçando que seus saberes e territórios são parte essencial das soluções para a crise ambiental.  

O metano, por sua vez, foi colocado no centro das negociações. Em parceria com o Global Methane Hub, a Gota defendeu o “Freio de Emergência Climática”, lembrando que esse gás é responsável por cerca de um terço do aquecimento global e possui um potencial de aquecimento 80 vezes maior que o dióxido de carbono nos primeiros 20 anos após sua emissão. Historicamente negligenciado, recebendo apenas 1% dos recursos globais de mitigação, o metano finalmente ganhou protagonismo em Belém. Mais de US$ 600 milhões em novos investimentos foram anunciados para acelerar ações nos setores de resíduos, agricultura e energia. O relatório global reafirmou que cortar 30% das emissões até 2030 é uma das medidas mais rápidas e custo-efetivas para reduzir o aquecimento no curto prazo.

Dois instrumentos complementares nasceram em Belém: o Tropical Forests Forever Fund (TFFF), internacional, que rompe com a lógica de mercantilização da natureza e garante que ao menos 20% dos recursos sejam destinados diretamente às populações da floresta; e o Fundo Vítuke, brasileiro, voltado à gestão ambiental e territorial indígena. Ainda assim, a Amazônia se fez presente sob a sombra de contradições: mesmo diante da ameaça de exploração de petróleo na margem equatorial, os documentos oficiais não trataram da redução de combustíveis fósseis. Da mesma forma, a questão do desmatamento foi deixada de fora, revelando os limites da negociação multilateral diante de interesses econômicos persistentes.

A COP30 demonstrou que ciência e política precisam caminhar juntas. No caso do metano, os dados apresentados foram inequívocos: cortar emissões é não apenas possível, mas urgente e custo-efetivo. Os compromissos anunciados — desde aceleradores de pesquisa agrícola até a integração de ações de mitigação em portfolios de bancos multilaterais — não são apenas promessas, mas respostas concretas a uma base científica consolidada. A diplomacia climática, ao reconhecer o metano como prioridade, acionou um verdadeiro “freio de emergência” capaz de salvar milhões de vidas e evitar pontos de não retorno nos sistemas climáticos.

Belém não foi apenas sede da COP30. Foi o lugar onde se reafirmou que sem Amazônia não há futuro, e sem os povos que a defendem não há solução. Para a Gota, esse é o verdadeiro legado da conferência: enfrentar a crise climática exige democracia, participação e respeito aos saberes que há séculos cuidam da floresta, mas também rigor científico e financiamento consistente. Só assim será possível transformar compromissos em resultados e garantir que o futuro em disputa seja, de fato, um futuro possível.

*Maria Paula Fernandes é Diretora e Fundadora da Gota

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